Ex-auxiliar de cozinha, ator da periferia de Campinas chega ao Oscar com ‘Ainda estou aqui’: ‘Sonho realizado’


Daniel de Almeida cresceu na periferia de Campinas (SP), onde também trabalhou como assistente em produtoras até começar a integrar elencos de produções nacionais. Daniel de Almeida é de Campinas e interpretou o segurança Marlon em “Ainda Estou Aqui”
Arquivo Pessoal
As indicações de “Ainda estou aqui” ao Oscar 2025 tiveram um sabor especial para Daniel de Almeida, de 45 anos. Nascido em uma família de seis irmãos e criado na periferia de Campinas (SP), o ator e educador social está no elenco do longa e teve a honra de contracenar diretamente com Fernanda Torres, que concorre ao prêmio de melhor atriz.
Almeida, que precisou trabalhar como auxiliar de cozinha para ajudar os pais ainda na adolescência, dá aulas de cinema para crianças e soma participações em filmes e séries nacionais para o streaming. Para ele, estar tão perto do maior prêmio do cinema mundial parecia ser só um sonho de infância, mas hoje é “um clichê que virou realidade”.
“Tem algumas coisas que, sabe, ainda não cai a realidade, né? Você fica: ‘meu Deus, isso tá acontecendo de fato’. Porque eu venho de uma família grande, pobre. Meus pais já falecidos, minha mãe costureira, meu pai, trabalhador da construção civil, sempre dando duro ali. E você não se imagina, como artista, porque é uma profissão que demanda muito tempo de estudo e batalha”.
“Quando ela ganhou o Globo de Ouro, eu nem consegui entender. Não consegui dormir. Hoje essas indicações também. Não sei nem o que fazer com tudo isso. Eu estive lá na produção, com o Walter, com a própria Fernanda. É emocionante fazer parte dessa história, parte desse filme. É uma mistura de excitação, alegria, felicidade, sonhos realizados”, conta com um sorriso na voz.
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Segurança Marlon
Fernanda Torres elege as três cenas mais marcantes da sua personagem no filme “Ainda Estou Aqui”.
No filme dirigido por Walter Salles, Daniel interpreta o segurança Marlon em uma cena que antecede o fim de uma batalha vivida por Eunice Paiva.
É ele quem abre uma porta dentro do fórum onde a personagem de Fernanda recebeu o atestado de óbito que reconheceu, após 25 anos, a morte do marido Rubens Paiva pela ditadura militar. Pela porta, o ator que interpreta o filho de Eunice e Rubens – Marcelo Rubens Paiva – também passou com a cadeira de rodas.
A participação é breve, mas cheia de significado, não apenas na história de Eunice, mas também na trajetória do ator. “É muito legal o diálogo que os dois personagens têm. Ele perguntar dos filhos, e ela perguntar do meu filho como é que tá, e depois essa troca de intimidade, né? Que o meu personagem dá parabéns pra ela, e ela olha daquela forma tão singela e ao mesmo tempo tão poderosa”.
“Eu lembro de ter conversado com a Fernandinha, nos bastidores. Eu falei assim: ‘muito obrigado. Estar nesse filme é um portal pra mim que se abre, né?’ E ela fala assim, muito engraçado: ‘você acha que pra mim também não? Olha a minha idade, quando que eu ia fazer uma personagem dessa tão potente, né?’. Ela é sensacional”, comenta.
Daniel de Almeida interpretou o segurança Marlon em “Ainda estou aqui”
Arquivo Pessoal
De auxiliar de cozinha à telona
Na entrevista ao g1, Daniel diz que a ficha ainda não caiu. O sentimento é de que agora ele faz parte do longa brasileiro que conquistou um feito histórico ao ser indicado a três categorias, como Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Filme, além de Melhor Atriz. É como se um filme da própria história viesse à tona, conta o ator.
“Eu lembrei de uma coisa que minha mãe falava, de eu pequenininho, com um pedacinho de madeira assim, enrolando uma linhazinha e falando: ‘ainda vou ser ator’. Isso fica sempre na minha memória. Eu gosto de repetir essa história porque me emociona, que eu sempre consumi muito cinema, assisti muito televisão, filme. Sempre sonhava com Oscar, mas, pra sobreviver, esse sonho ficou ali”.
Daniel de Almeida e Walter Salles, diretor de “Ainda estou aqui”
Arquivo Pessoal
Nascido em Alagoas, Daniel foi com a família para Peruíbe e, ainda na infância, se mudou para Campinas.
Na adolescência, precisou trabalhar na cozinha de um restaurante no bairro do Cambuí e só conseguiu se aproximar do sonho de ser ator quando soube de um curso gratuito de artes cênicas oferecido pelo Sesi.
Foram anos de estudo até que ele pudesse, de fato, se tornar um trabalhador da cultura, como pede para ser chamado. Ainda assim, reconhece que a caminhada é dura e que ainda há muito a ser percorrido.
“Fui trabalhando em várias profissões. Trabalhei em produtora de vídeo como ajudante, carregando fio. Fui cinegrafista, editor”.
Agora, ensinando a sétima arte para jovens da região, ele quer mostrar que sonhos podem ser reais. “A indicação já é um prêmio, é lógico. Me envaidece demais, pro meu currículo vai ser maravilhoso, mas eu vou estar sempre nesse lugar, como um trabalhador da cultura. […] É uma coisa que eu não vou tirar de mim. Eu falo assim: ‘mesmo que eu esteja fazendo filme X, eu quero trazer isso pra essa garotada, que é possível”.
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