Dólar: o que esperar com o retorno de Donald Trump à Casa Branca?


A resposta definitiva virá com o anúncio de medidas econômicas concretas nas próximas semanas, mas a agenda de campanha e sinalizações dadas por Trump e sua equipe nos últimos dias apontam para um 2025 de dólar fortalecido. Moeda americana cruzou patamar de R$ 6 em novembro do ano passado.
Reuters via BBC
Boa parte dos economistas aposta em um dólar forte em 2025. O mais recente boletim Focus do Banco Central, que reúne as estimativas de dezenas de instituições financeiras para uma série de indicadores macroeconômicos, aponta para um dólar a R$ 6 até o fim do ano.
A moeda americana cruzou esse patamar em novembro do ano passado, poucos dias depois da eleição americana, e praticamente não voltou mais.
Uma das razões é a expectativa em torno da política econômica do segundo mandato de Donald Trump à frente da Presidência dos Estados Unidos.
Para entender exatamente como o retorno do republicano vai impactar o dólar é preciso aguardar o anúncio formal das medidas econômicas, observar os efeitos que elas vão produzir na prática e a reação dos países afetados.
A agenda que ele vendeu na campanha e sinalizações recentes dadas por ele e por sua equipe, contudo, têm sedimentado a ideia de que o cenário é de dólar fortalecido.
Uma das medidas apontadas por economistas com maior potencial nesse sentido são as tarifas que Trump prometeu impor sobre praticamente todos os produtos que os Estados Unidos importam, especialmente os chineses.
Elas não vieram em enxurrada logo depois da posse nesta segunda-feira (20/1), como temiam alguns especialistas, o que pode sinalizar maior gradualismo.
Em vez disso, Trump assinou um decreto que prevê que as agências federais do governo façam uma ampla revisão da política comercial americana, buscando práticas comerciais desleais de parceiros dos EUA.
Os relatórios devem começar a chegar à mesa do presidente em 1º de abril e podem municiar sua agenda tarifária neste segundo mandato.
Na segunda, ele disse a repórteres estar considerando taxar o México e o Canadá em 25% em 1º de fevereiro porque esses países, segundo ele, vinham permitindo que “um número massivo de pessoas entrassem e que o fentanil entrasse” pelas fronteiras com os EUA.
Também declarou que “poderia” impor uma tarifa universal a todos os importados que entrassem no país, argumentando que “essencialmente todos os países tiram proveito dos EUA”.
Efeito cascata
O impacto do protecionismo tarifário sobre o dólar ocorre por conta de um movimento em cadeia.
Em um primeiro momento, a elevação de tarifas tende a ser repassada pelo menos em parte pelas empresas aos consumidores, elevando o nível geral de preços.
Diante da inflação mais alta, entra em cena o Federal Reserve (FED), o Banco Central americano, que eleva juros em uma tentativa de conter a trajetória de alta dos preços.
O aumento de juros, por sua vez, além de esfriar a atividade econômica, também aumenta o retorno dos títulos americanos, o que leva investidores a deixar mercados considerados menos seguros, como o Brasil, e migrar para os EUA, em um movimento que fortalece o dólar.
Em um estudo publicado em outubro de 2024, o The Budget Lab, centro de pesquisa da Universidade de Yale focado na análise de políticas públicas com impacto na economia, calculou que a inflação poderia subir em algo entre 1,4% a 5,1%, levando em consideração diferentes cenários.
Por exemplo: tarifa ampla de 10% para todos os produtos que os americanos importam, como Trump já chegou a aventar, e de 60% para produtos chineses, em situações com e sem retaliação dos países afetados.
“Tarifas causam uma mudança de nível nos preços ao consumidor no ano em que são implementadas semelhante a um choque único na inflação”, argumentam as economistas Kimberly Clausing e Mary Lovely, do centro de pesquisa Peterson Institute for International Economics, em um relatório em que detalham o impacto potencial do tarifaço sobre o consumidor americano.
“O fardo econômico é semelhante a um imposto sobre vendas no varejo ou um imposto sobre valor agregado: um aumento no preço pago pelos consumidores. No entanto, as tarifas são um imposto sobre consumo mais distorcivo, uma vez que causam uma realocação ineficiente da produção, além de um aumento de preço ao consumidor”, concluem.
Um dos economistas que têm sido vocais sobre os alertas em relação aos potenciais efeitos inflacionários do aumento generalizado de tarifas tem sido Larry Summers, que foi secretário do Tesouro dos Estados Unidos durante o governo Bill Clinton (1999 – 2001).
“Se ele cumprir o que prometeu na campanha, vai haver um choque inflacionário significativamente maior do que o afetou o país em 2021”, opinou, em uma entrevista à CNN, fazendo referência à pandemia de covid-19.
A óptica de Trump, contudo, é de que as tarifas podem ser uma fonte de arrecadação para os cofres do governo.
Em seu discurso de posse, ele mencionou inclusive o External Revenue Service, um órgão que ele propôs que seja criado especificamente para recolher as tarifas, cuja arrecadação recai hoje sobre o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras (Customs and Border Protection).
O presidente também já comentou que enxerga no protecionismo um mecanismo de correção para o que entende como injustiças na forma como o comércio global funciona, associando o déficit que os EUA têm na balança comercial com determinados países com situações em que outras nações estariam se aproveitando dos americanos.
Essa é uma visão de mundo que se aproxima do mercantilismo, modelo que vigorou na Europa antes da Revolução Industrial, disse em entrevista à BBC News Brasil pouco antes das eleições americanas Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.
Equipe econômica pró-tarifas
Ainda não se sabe exatamente como vai ser o tarifaço do Trump, mas uma sinalização importante veio na semana passada, durante a sabatina no Senado do indicado do presidente para secretário do Tesouro, Scott Bessent.
Bessent, um gestor de fundos veterano do mercado financeiro, que vai ser responsável por implementar a política econômica dos EUA nos próximos quatro anos, reforçou que deve adotar uma política tarifária mais agressiva e refutou que a medida seja inflacionária.
Outro nome chave é Howard Lutnick, indicado para secretário de Comércio, um cargo com influência direta na política industrial e tarifária.
Além de bilionário veterano de Wall Street, Lutnick é conhecido por ser entusiasta da política de tarifas de importação. Ele ainda precisa passar pela audiência de confirmação no Senado – e existe uma expectativa grande sobre como vai responder aos questionamentos dos parlamentares.
Ele estava ao lado de Trump quando, recentemente, o agora presidente mencionou o Brasil ao falar sobre tarifas: “A Índia cobra muito, o Brasil cobra muito. Se eles quiserem nos taxar, tudo bem, mas nós vamos taxar de volta”, afirmou na ocasião.
Brasil alvo das tarifas?
Nesse sentido, os especialistas também ressaltam que ainda é difícil prever o impacto das tarifas propriamente ditas sobre o Brasil.
De um lado, argumenta-se que o país não deve ser alvo preferencial do tarifaço, porque não tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos e tem déficit na balança comercial com o país – ou seja, compra mais produtos dos americanos do que vende pra eles.
Por outro lado, o Brasil é membro do Brics, bloco que Trump ameaçou com tarifas de 100% caso apoiem qualquer iniciativa de uso de moedas alternativas ao dólar.
Não há planos de adotar uma moeda única entre membros do Brics, mas os países do bloco têm criado instrumentos para fazer transações comerciais em moeda chinesa e o banco do Brics tem concedido empréstimos em moedas alternativas ao dólar.
No primeiro governo Trump, quando o republicano colocou em prática uma versão menor do que aparenta planejar fazer desta vez, o Brasil foi afetado com tarifas impostas sobre as importações de aço e de alumínio.
O mosaico da cotação do dólar
A política monetária americana não é, claro, o único fator que influencia o preço do dólar. A cotação de uma moeda em relação a outra é resultado de uma combinação de diversos fatores, internos e externos.
No último ano, por exemplo, a política de gastos públicos do governo Lula foi apontada como um dos fatores que contribuíram para a saída de investidores do país e desvalorização do real.
No ano passado, a saída de dólares do país pela via financeira foi recorde, US$ 87,2 bilhões, maior valor da série histórica do Banco Central que começa em 1982.
Parte do déficit foi compensada por outra conta do balanço de pagamentos que registra o fluxo cambial do país, a conta comercial, que teve superávit de US$ 69,2 bilhões.
Em relatório enviado a clientes nesta terça (21/1), os economistas Mauricio Une e Renan Alves, do Rabobank, avaliam que “o real brasileiro permanece à mercê das incertezas globais”.
Ressaltam a depreciação de 27,2% no ano passado, a segunda maior em uma cesta com as 24 principais moedas emergentes, e estimam a cotação para o fim de 2025 em R$ 5,94.
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