Influenciadores presos suspeitos de deformar pacientes revendiam remédios com receitas falsas, diz delegado


Karine Gouveia e Paulo César Dias tiveram a prisão temporária prorrogada por mais 30 dias. Segundo delegado, esquema também incluía duas distribuidoras de medicamentos administradas pelo casal. Karine Gouveia e Paulo César, casal investigado pela Polícia Civil, Goiás
Reprodução/Redes Sociais
Os influenciadores Karine Gouveia e Paulo César Dias, suspeitos de deformar pacientes após procedimentos estéticos, operavam um esquema de revenda ilegal de medicamentos obtidos com receitas falsas, conforme informou o delegado Daniel Oliveira. Eles tiveram a prisão temporária prorrogada por mais 30 dias.
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Outros sete funcionários suspeitos de envolvimento também foram presos. O g1 não localizou as defesas dos colaboradores até a última atualização da reportagem. De acordo com o delegado, o esquema também incluía duas distribuidoras de medicamentos administradas pelo casal.
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Em nota, a defesa dos influenciadores, representada pelos advogados Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, afirmou que as acusações devem ser submetidas ao processo legal. “Não raras são as vezes em que a Polícia Civil (PC) acusa, mas que, ao fim do processo, a Justiça entende diferente”, completaram – leia nota ao final do texto.
Segundo o delegado, o casal utilizava receitas médicas falsificadas em nome de pessoas que não eram pacientes para adquirir medicamentos diretamente de laboratórios. Esses remédios eram armazenados em uma sala sem identificação e revendidos pela internet, diretamente para outras pessoas e clínicas, além de serem utilizados em procedimentos realizados na clínica do grupo.
Os documentos falsificados, conforme o delegado, eram assinados por colaboradores. Segundo ele, durante depoimentos, uma responsável técnica revelou que chegou a assinar mais de 100 receitas em um único dia.
Mais de 70 vítimas já procuraram a polícia para denunciar os procedimentos realizados, segundo informações da investigação. Quando o inquérito for finalizado, os suspeitos poderão responder por crimes como lesões corporais gravíssimas, falsificação de documentos, organização criminosa e crimes contra o consumidor. O inquérito segue em andamento.
Procedimentos
O casal proprietário da clínica foi preso em 18 de dezembro durante uma operação policial que investiga procedimentos estéticos e cirúrgicos responsáveis por causar danos físicos e psicológicos a pacientes. Na última sexta-feira (17), a Justiça de Goiás prorrogou a prisão dos dois por mais 30 dias.
A Polícia Civil informou que a clínica cobrava até seis vezes menos que o valor de mercado. Em depoimento, um dentista, responsável técnico pelo local e executor de alguns dos procedimentos, afirmou que a clínica cobrava R$ 5 mil por uma cirurgia de nariz. No mercado, o valor médio cobrado por um cirurgião plástico para esse procedimento é de R$ 30 mil, segundo a polícia.
O dentista também declarou ter aprendido os procedimentos na prática, desde que começou a trabalhar na clínica, e relatou já ter realizado até oito cirurgias em um único dia. De acordo com a polícia, ele explicou que o baixo custo dos procedimentos gerava uma alta demanda por atendimentos. “Ele revelou que havia agendamentos com intervalos menores que uma hora, totalmente insuficientes para procedimentos cirúrgicos”, diz texto enviado pelo delegado Daniel Oliveira.
Relatos de pacientes
Imagens mostram lesões de paciente que fez lipo de papada, em Goiânia
Reprodução/TV Anhanguera
Pacientes da clínica de Goiânia relataram erros e sequelas sofridas após a realização de procedimentos estéticos no local. Em entrevista ao Fantástico, o empresário Marcelo Santos detalhou a experiência: “Fizeram raspagem e eu sentindo, acordado. Senti tirar pele, senti tirar cartilagem, senti raspar o osso”, disse.
O empresário relatou ao Fantástico que realizou um procedimento para reduzir o tamanho do nariz. No entanto, a cirurgia não foi bem-sucedida, e ele precisou passar por uma segunda intervenção na mesma clínica para corrigir o erro. Além dos prejuízos estéticos, o empresário afirmou que necessita de outros tratamentos de saúde para lidar com o trauma: “Eu não consigo dormir direito. Tive problemas mais fortes, depressão, ansiedade”.
“Hoje, para eu fazer minha cirurgia de correção, vai custar em torno de R$ 60 mil. Eu não tenho condições”, afirmou Marcelo.
A psicóloga Vânia Ribeiro também foi vítima de procedimentos malsucedidos na Clínica Karine Gouveia. Ela investiu quase R$ 20 mil em uma harmonização facial, que incluía intervenções nas pálpebras inferiores, no “bigode chinês” (linhas de expressão entre o nariz e a boca), nos lábios e no ângulo da mandíbula.
No entanto, ao invés de aplicarem ácido hialurônico conforme combinado com a psicóloga, ela recebeu óleo industrial no rosto. Exames realizados pela Polícia Científica de Goiás comprovaram a verdadeira composição do produto.
“Eu fiquei muito desesperada. Eu furei minhas pálpebras inferiores e apertei bastante para ver se o produto saía”, contou a psicóloga.
Esquerda: vítima de procedimento | Direita: Karine Gouveira e Paulo César
Reprodução/Redes Sociais
Uma outra paciente da clínica, que não quis se identificar, relatou ao Fantástico que pagou cerca de R$ 4,5 mil para realizar uma lipo de papada, e agora precisa conviver com cicatrizes e dor. “Quando eu olho no espelho, eu levo um choque. Movimentar o pescoço de um lado para o outro, repuxa. Para mim, abaixar, dói. Então, é doloroso até hoje”, afirmou a mulher.
Investigação
Vídeo mostra momento em que Karine Gouveia é presa
O delegado Daniel Oliveira informou que a investigação começou em abril de 2024, após a primeira denúncia de uma paciente. Mais de 60 pessoas já procuraram a polícia para relatar sequelas e erros ocorridos na Clínica Karine Gouveia. Entre os casos graves, há o de uma vítima que precisou ser intubada após sofrer necrose no nariz. As imagens são fortes (veja abaixo).
“Há vítimas que estão na fila do SUS para reparar os erros desses procedimentos. Além dessas lesões, que elas sofriam, a gente identificou que a presença de substâncias como PMMA e silicone, em procedimentos que só poderiam ser realizados por médicos cirurgiões plásticos”, afirmou o delegado.
Os envolvidos tiveram as contas bancárias, bens e valores bloqueados. No total, são R$ 2,5 milhões apreendidos e um helicóptero avaliado em R$ 8 milhões.
Vítimas de necrose após procedimentos estéticos em clínica da empresária Karine Gouveia, em Goiânia
Divulgação/Polícia Civil
A dona da clínica não tem formação na área da saúde e o marido cuidava da parte administrativa do negócio. A polícia informou que a clínica atraía clientes com preços abaixo do mercado, por meio de um forte trabalho nas redes sociais, que contava até com a colaboração de famosos.
“Eu vi a repercussão que tinha clínica, as postagens, a quantidade de famosos, a quantidade de seguidores, a quantidade de pessoas elogiando. O valor foi interessante, mas o fundamental foi a extrema credibilidade que as postagens dela passavam”, afirmou o empresário Marcelo Santos.
Procedimentos estéticos
Imagens mostram ferimentos em vítimas de procedimentos
Reprodução/TV Anhanguera
A polícia informou que os procedimentos eram realizados em condições inadequadas. Os profissionais não possuíam a habilitação necessária para o manejo das substâncias utilizadas, e as instalações da clínica apresentavam problemas, como a falta de esterilização e o uso de bisturis cegos.
As duas unidades da clínica, em Goiânia e Anápolis, foram fechadas pela Vigilância Sanitária em dezembro de 2024. O delegado informou que os fiscais documentaram pelo menos 18 irregularidades durante as inspeções. Conforme a polícia, aunidade de Anápolis sequer possuía alvará de licença sanitária nem projeto arquitetônico aprovado pelo órgão sanitário competente para funcionar.
Nota da defesa do casal:
A defesa Karine Gouveia e Paulo César, Romero Ferraz Filho e Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, respectivamente, acrescenta que os vazamentos seletivos de informações sigilosas, as quais sequer a defesa habilitada nos autos possui acesso, continuam. Após o devido acesso amplo, conforme a Constituição Federal e a Lei preveem, acredita que os fatos serão esclarecidos no seu tempo e com os documentos necessários.
– Acusações devem ser submetidas ao crivo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Não raras são as vezes em que a Polícia Civil (PC) acusa, mas que, ao fim do processo, a Justiça entende diferente.
– A Autoridade Policial, nos vazamentos seletivos, após mais de 30 dias de prisão e 1 ano de investigações, não conseguiu comprovar o uso de PMMA e outras substâncias na Clínica. Ao contrário, a fim de atingir depoimentos que possam contribuir com a hipótese acusatória – e não a apuração de fatos, como deve ser no Estado de Direito –, requer prisões temporárias sem contemporaneidade; sem necessidade; apenas com narrativas que, aos primeiro olhar, constrangem o Magistrado a deferir os pleitos, com objetivo de negociar solturas se houver depoimentos que corroborem com a hipótese acusatória, tanto que quem fala o que se quer ouvir, é solto, quem fala a verdade e ou se vale do direito de permanecer em silêncio, permanece preso. Em passado recente o Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Gilmar Mendes, considerou que tais práticas se assemelham a “tortura usando poder do Estado”.
– As defesas dos investigados têm denunciado vários abusos e violação de direitos, no entanto, a Autoridade Policial tem se valido de uma prisão sem fundamento real que está sendo utilizada como instrumento de coação para promover investigação clandestina e fora dos parâmetros legais, manchando a credibilidade das instituições e colocando em xeque todo o processo. Independente dos fatos investigados, a sociedade civil precisa estar atenta para que casos como este não se tornem a regra: pessoas sendo condenadas sem julgamento e sem direito de defesa, afinal, não se pode tolerar um Estado que prende primeiro e pergunta depois. Uma investigação que perdura há mais de ano, até agora os investigados não foram ouvidos.
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