CNU: participante que se declara negro é impedido de acessar sistema de cotas e aciona justiça; entenda o caso


Em nota, o Ministério da Gestão diz que seguiu todo o procedimento legal referente ao procedimento de heteroidentificação. A Fundação Cesgranrio afirma que a etapa foi realizada de forma presencial, com filmagens para ser utilizadas na análise de recursos. Gustavo Amora teve sua candidatura indeferida pela banca de heteroidentificação do CNU.
Arquivo Pessoal
Militante do movimento negro e servidor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Gustavo Amora precisou entrar na justiça após ser impedido de concorrer as vagas reservadas para pessoas negras do Concurso Nacional Unificado (CNU).
A negativa veio após o servidor passar pelo procedimento de heteroidentificação – etapa que verifica os traços físicos dos candidatos que se autodeclaram pretos ou pardos para evitar possíveis fraudes.
Inscrito para as vagas do Bloco 4, de Trabalho e Saúde do Servidor, Gustavo foi convocado para a fase de heteroidentificação após ser aprovado nas provas objetiva e discursiva do concurso.
Depois da primeira negativa, o servidor entrou com recurso administrativo na própria página da Fundação Cesgranrio – a banca que está organizando a seleção. Como resposta, ele apenas recebeu a mensagem de “não enquadrado”.
Ele segue concorrendo a uma vaga, mas na disputa de ampla concorrência. Junto com advogados, Gustavo entrou com um pedido liminar para reinclusão no regime de cotas, que foi negado pela Justiça Federal em primeira instância. Agora, a defesa do servidor vai recorrer ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Ainda como estudante, Gustavo fez parte da implementação do sistema de cotas na Universidade de Brasília (UnB), antes da aprovação da lei nacional. Além disso, o servidor também já foi jurado em outras bancas de heteroidentificação.
“Meu histórico fala por si: eu sou uma pessoa negra, reconhecida socialmente, e profundamente engajado na luta contra o racismo no Brasil. Essa decisão não só me prejudica, mas ameaça o próprio sistema de cotas”, afirma o candidato.
Gustavo Amora entrou na justiça após ser impedido de acessar o sistema de cotas do CNU.
Arquivo Pessoal
Adriane Fauth, advogada do servidor, explica que esse não é o único caso de exclusão com falta de justificativa parte da Fundação Cesgranrio. Além disso, a defesa ressalta que isso costuma ser um “hábito” das bancas de concursos públicos.
Segundo a advogada, essa é uma situação de “ilegalidade que se perpetua”. “Esse é um problema que a gente enfrenta não apenas no CNU, mas em todos os concursos públicos que há essa avaliação de heteroidentificação”, explica.
“Hoje, não sabemos quais são as características analisadas. Em relação ao cabelo, o que eu considero como o cabelo de pessoa preta e parda? E se o participante não atende a esse requisito, mas todas as outras características estiverem presentes? Ele vai ser eliminado?”, questiona a defesa.
Em nota enviada ao g1, o Ministério da Gestão informou que todo procedimento de heteroidentificação seguiu “o regramento legal pertinente”, conforme a Instrução Normativa de 2023 que detalha o trabalho das bancas. (veja a nota completa abaixo)
Segundo o edital do CNU, “não serão considerados quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação”.
O documento ainda estabelece que “a comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico [avaliação das características físicas visíveis de um indivíduo] para aferição da condição declarada pelo candidato”.
Já a Fundação Cesgranrio disse que etapa “foi realizada de forma presencial mediante utilização de recursos de tecnologia de comunicação”. A empresa afirma que o procedimento “foi filmado e fotografado para ser utilizado na análise de recursos”. (veja a nota completa abaixo)
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O que diz o Ministério da Gestão?
O Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) informa que as Comissões de Heteroidentificação do CPNU são organizadas pela Fundação Cesgranrio, banca responsável pelo certame.
Todo o procedimento seguiu o regramento legal pertinente, descrito no item 3.4 e subitens dos editais, que estabelecem que os candidatos que desejam concorrer às vagas reservadas a pessoas negras devem passar pelo procedimento de heteroidentificação, conforme previsto na Portaria Normativa MPDG n° 4/2018 e na Instrução Normativa MGI n° 23/2023.
Esses normativos seguem o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece que as bancas de heteroidentificação são parte essencial do processo seletivo (conforme entendimento do da ADC/STF 41/2017 referente a Lei de Cotas (Lei n.º 12.711/2012).
Assim, de acordo com a Instrução Normativa MGI n° 23/2023, as Comissões de Heteroidentificação do CPNU utilizam exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato de pessoa negra (preta ou parda), não sendo aceitos registros, declarações ou documentos, seja do próprio candidato ou de ancestrais, como aptos a comprovar o direito à cota.
Os procedimentos de heteroidentificação estão sendo realizados nas 228 cidades onde ocorreu a aplicação de realização do CPNU. A Comissão de Heteroidentificação é composta por cinco integrantes e seus suplentes, garantida a diversidade em sua composição.
Por sua vez, os recursos às decisões das Comissões de Heteroidentificação são analisados por um Comissão Recursal composta por três membros distintos dos membros da Comissão de Heteroidentificação.
Os recursos são avaliados pela Comissão Recursal considerando a filmagem do procedimento de heteroidentificação, o conteúdo do recurso elaborado pelo candidato e o parecer emitido pela Comissão de banca de Heteroidentificação.
Comissão de Heteroidentificação deverá ser composta por cinco membros e seus suplentes, garantindo a diversidade das pessoas que a integram quanto ao gênero, à cor e, sempre que possível, à origem regional.
A Comissão deverá ser composta por pessoas de reputação ilibada; residentes no Brasil; que tenham participado de oficina ou curso sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo; e preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo.
Os cargos e currículos de todos os membros estão disponíveis no link. Vale destacar que a IN 23, mantem resguardado o sigilo dos nomes das pessoas que integram a comissão de heteroidentificação, podendo ser disponibilizados aos órgãos de controle interno e externo, se requeridos.
Conforme IN 23, as Comissões de Heteroidentificação do CPNU utilizam exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato de pessoa negra (preta ou parda).
Ainda conforme Edital do CPNU, teor do parecer motivado da Comissão de Heteroidentificação será de acesso restrito, seguindo o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (art. 31 da Lei nº 12.527, de 18/11/2011).
O que diz a Fundação Cesgranrio?
A inclusão social é um valor essencial, especialmente em processos seletivos que visam garantir oportunidades equitativas para todos.
Um dos mecanismos que reforça essa equidade é a etapa de heteroidentificação, destinada aos candidatos que se autodeclaram negros nas cotas raciais, classificados na fase anterior.
Importante destacar que o procedimento pode ocorrer em qualquer fase do concurso, desde que anterior à homologação do resultado final ou à convocação.
Essa fase adicional é realizada por uma banca composta por cinco especialistas e seus suplentes, é fundamental respeitar a diversidade de raça, gênero e sempre que possível regionalidade para atender a INSTRUÇÃO NORMATIVA MGI Nº 23, DE 25 DE JULHO DE 2023
A Cesgranrio tem um papel ativo na formação das bancas de heteroidentificação, oferecendo cursos de formação que já habilitaram mais de 3.000 colaboradores em todo o Brasil.
Essas capacitações garantem que os profissionais estejam preparados para conduzir as avaliações com responsabilidade, sensibilidade e total transparência, sempre comprometidos com o rigor técnico e a promoção da igualdade racial.
Diferente do passado, quando as avaliações consideravam aspectos genéticos, hoje, a avaliação se baseia no fenótipo, ou seja, nas características físicas visíveis dos candidatos, que os tornou alvo de discriminação ao longo da vida.
Oscar Cunha, gerente executivo de concursos da Fundação Cesgranrio, destaca que a análise dos candidatos segue critérios rigorosos e objetivos, alinhados às diretrizes estabelecidas pela Instrução Normativa de 2023.
“Esse processo garante que as cotas sejam aplicadas de maneira justa e que o acesso às políticas de inclusão seja direcionado para aqueles que, de fato, enfrentam os desafios históricos decorrentes do racismo estrutural.”
O processo de heteroidentificação do CPNU foi realizado de forma presencial mediante utilização de recursos de tecnologia de comunicação. Em todos os locais a etapa foi filmada e fotografada para que a gravação e imagens possam ser utilizadas na análise de eventuais recursos interpostos contra a decisão da comissão.
A Cesgranrio reafirma seu compromisso com a promoção da diversidade, da igualdade e da construção de uma sociedade mais inclusiva por meio de processos transparentes e justos.
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