Armar guardas não é prioridade do governo federal, diz diretora do Susp

O empoderamento legal e a expansão em efetivo e armamentos das guardas municipais, catapultados principalmente pela preocupação crescente  da população com segurança, como mostra reportagem de VEJA desta semana, fez com que vários prefeitos fossem eleitos em 2024 prometendo novos concursos para aumentar o efetivo, a criação de rondas ostensivas e a compra de armamentos cada vez mais pesados, como fuzis e carabinas.

No entanto, parte dessas promessas esbarra na falta de orçamento ou nos próprios limites legais de expansão das guardas municipais. Em entrevista a VEJA, a advogada e especialista em gestão pública Isabel Figueiredo, diretora do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, diz que o governo federal concentrará esforços em garantir que essa força de segurança cumpra seu papel “preventivo e comunitário”.

Leia a entrevista a seguir:

Por que não existe no Brasil um banco de dados unificado sobre as guardas municipais? As guardas tiveram muita importância nos dois primeiros governos do presidente Lula e com a presidente Dilma, quando houve a promulgação do estatuto das guardas. Nos últimos oito anos, a questão saiu da agenda do governo federal, mas voltou para a pauta no ano passado. Fechamos uma parceria com a Universidade Federal de Viçosa (MG), que neste mês já vai a campo para começar um grande diagnóstico nacional sobre as guardas. Vamos saber quais são, quem já se adequou à lei nº 13.022 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), que tipo de armamento usam, que serviços fazem, se têm plano de carreira, quanto esses guardas estão recebendo de remuneração, quantas agentes femininas há, quais são os programas que desenvolvem. Nossa expectativa é que, mais tardar em março, já tenhamos esse banco de dados bem detalhado.

Cada prefeitura tem a possibilidade de gerir as forças municipais do seu jeito, o que mistura essa gestão a fatores políticos e eleitorais. O governo tem algum projeto de padronizar a questão? É muito difícil falar em padronização da guarda, porque estamos falando de uma instituição que não dá para ser a mesma em todos os lugares. Vão ter 6.000 homens na capital paulista e apenas vinte no interior do Pernambuco. Ou pode ser a única força de segurança em São Gabriel da Cachoeira (AM). As demandas são diferentes e, necessariamente, o tipo de atuação também. O que tem de fundamental é o fio condutor do que o governo entende que é o grande papel das guardas municipais: essencialmente preventivo e comunitário. Não discutimos se os agentes devem ou não ter fuzis, mas se vamos financiar fuzis ou não. E, a princípio, não vamos. Não porque somos contra, mas porque entendemos que não é o papel prioritário. Os projetos que estão sendo pautados pelo governo são mais focados na visão preventiva e comunitária. Não significa que não vamos comprar arma – pelo contrário, a patrulha Maria da Penha tem que estar com o seu colete, com o seu armamento, eventualmente com taser (arma de choque), e precisa estar segura para agir. Mas, a princípio, no rol de programas que temos para as guardas hoje, não há nenhuma linha de financiamento especializada nesse sentido, porque queremos fomentar esse outro agir.

Na campanha de 2024, muitos candidatos a prefeito prometeram fortalecer as guardas municipais, fazer mais concursos e comprar mais armamentos. Acha que há um componente eleitoreiro nisso? Tenho dialogado com alguns prefeitos eleitos. Às vezes, na realidade, a teoria é outra. Tem prefeito que diz que vai armar a guarda, criar uma ROMU (Ronda Ostensiva Municipal). Mas, quando ele chega aqui para conversar, ele tem vinte homens. Aí você questiona: como criar um ROMU com vinte homens? Vai fazer um concurso? Tem como aumentar o efetivo? Ele precisou de alguma forma dizer isso no processo eleitoral porque sabemos que a segurança é, de fato, uma das maiores preocupações da população. Mas o que vai virar realidade, temos que esperar para ver. Há um custo de tudo isso. Para uma guarda ser armada, por exemplo, ela tem que ter corregedoria, ouvidoria, precisa de dinheiro, e não é pouco. Talvez, na hora de cumprir essas promessas, veremos a guarda fazer o que eu entendo que ela realmente tem que fazer, que é esse papel de prevenção.

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