Sob pressão para cortar gastos, Lula cria uma estatal para lançar foguetes

Antes mesmo de reassumir o comando do Planalto, na eleição de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já dizia em alto e bom som que não só não privatizaria nenhuma das 123 estatais que o país possui, como, se possível, reestatizaria a Eletrobras, vendida no governo Jair Bolsonaro, ideia que felizmente não prosperou. Passados dois anos de mandato, o governo não só cumpriu a promessa de não privatizar nada como acaba de criar mais uma estatal, a Alada — aprovada pelo Congresso em dezembro —, para explorar o lançamento comercial de foguetes e satélites privados a partir do território nacional.

Além do anacronismo de inventar outra estatal, ainda mais no momento em que o Brasil discute como cortar gastos, a Alada nasce sob o signo da desconfiança. Em 2006, também no governo Lula, o país criou a Alcântara Cyclone Space (ACS), uma empresa pública binacional em parceria com a Ucrânia. A iniciativa visava lançar satélites internacionais a partir do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, usando foguetes de tecnologia do país do leste europeu. A empreitada, porém, não decolou. A crise econômica dos dois lados do oceano, a falta de aportes estrangeiros e a queda de braço com os Estados Unidos em tratados de cooperação tecnológica enterraram a ACS, extinta em 2015 com um saldo negativo de quase meio bilhão de reais e nenhum lançamento espacial registrado. Uma piada.

Não bastasse a memória do prejuízo provocado por essa piada de mau gosto, a iniciativa do governo federal reacende preocupações sobre o negócio se tornar um novo ralo de dinheiro público. O projeto é que a companhia seja subsidiária da NAV Brasil, criada em 2019 para desenvolver sistemas de navegação aérea para venda ao setor privado de aviação. Embora seja certo que irá precisar de dinheiro e recursos humanos, o projeto da Alada não esclarece quanto custará nem quantos funcionários demandará. Na justificativa ao Congresso, o governo diz que a empresa poderá contratar pessoal por tempo de até quatro anos para implantar a companhia, além de receber servidores civis e militares de outros órgãos. “O cheiro que eu sinto é de prejuízo”, alertou o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um especialista em orçamento público, durante audiência na Câmara no final de novembro.

A promessa (difícil de acreditar) é a de que a empresa irá tentar atrair recursos privados. O propósito é abrir para o mercado global os serviços de lançamento de foguetes e satélites a partir da base no Maranhão. Menina dos olhos da Aeronáutica, o centro já realiza missões em cooperação com países como China, Estados Unidos e Coreia do Sul. A nova estatal terá o papel de tentar abocanhar um naco de um mercado em expansão nos últimos anos, na esteira de megaempresas como a SpaceX, de Elon Musk, e a Blue Origin, de Jeff Bezos. A chance de atrair investimentos internacionais para turbinar as pesquisas espaciais é o que mais agrada aos militares. Além de Alcântara, a Força Aérea Brasileira comanda também a base da Barreira do Inferno, em Parnamirim (RN).

Comparado aos bilhões de dólares que potências como Estados Unidos, China e Índia investem em exploração espacial, o orçamento brasileiro é um tanto modesto: em 2024, a Agência Espacial Brasileira (AEB) recebeu 135 milhões de reais para custeio direto das operações, chegando a 600 milhões de reais com verbas de fundos científicos e parcerias internacionais. Na teoria, o Brasil seria competitivo compensando a defasagem no desenvolvimento de foguetes com vantagens estratégicas: Alcântara é considerada um dos pontos mais favoráveis do planeta para lançamentos espaciais, já que a proximidade com a linha do Equador reduz o consumo de combustível para pôr objetos em órbita — a facilidade é particularmente rentável para pesquisas em microgravidade, com amplas aplicações na indústria farmacêutica. Além disso, a tecnologia brasileira de satélites para monitoramento de biomas é referência global em políticas ambientais. “A crescente participação do setor privado na economia espacial cria oportunidades para que o Brasil opere lançamentos de todo o mundo”, afirma o presidente da AEB, Marco Antonio Chamon.

Até 2035, a exploração espacial deve movimentar 1,8 trilhão de dólares, segundo as estimativas mais tímidas do Fórum Econômico Mundial. É incontestável que um programa espacial robusto, capaz de gerar contribuições financeiras, tecnológicas, militares e sociais, é de suma importância para a soberania de países que se propõem a ser potências no século XXI. O que provoca turbulência à primeira vista é a criação de mais uma estatal, que vai mandar recursos públicos para o espaço. O histórico recente não dá pistas de que o negócio pode realmente decolar. (Bruno Caniato/Veja)

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