Os três fatores que deveriam levar governo a reforçar a política fiscal, segundo Leonardo Porto, do Citi

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Quando boa parte do mercado financeiro acreditava que os juros iriam estar abaixo de um dígito no fim de 2024, Leonardo Porto, economista-chefe do Citi, era uma das poucas vozes que se levantava contra esse consenso.

O tempo mostrou que Porto estava certo. Os juros estão em 12,25% e o Banco Central já sinalizou que deve fazer mais duas altas de 1% cada em 2025 – a expectativa, agora, é de que a Selic fique na casa dos 15% – com alguns agentes do mercado financeiro apostando que pode ser até mais.

Agora, Porto está elencando três fatores que deveriam fazer o governo federal reforçar a política fiscal, após o mercado financeiro entrar em modo pânico com as medidas, consideradas insuficientes, do pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“A economia está bombando, a hora de fazer ajuste é agora, pois temos arrecadação forte”, afirma Porto, em entrevista ao NeoFeed. “Reforçar a política fiscal, neste momento, é essencial.”

De acordo com ele, adotar medidas duras tornou-se urgente por causa de uma combinação de três fatores: a recente fuga de capitais, que reflete a falta de confiança na política fiscal; o forte crescimento da economia, que gera pressões inflacionárias; e, por fim, o resultado dos dois fatores anteriores, a desancoragem da expectativa de inflação.

Sobre o desafio do novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que assume o lugar de Roberto Campos Neto em janeiro de 2025, Porto sugere cuidado para o órgão na forma de agir para lidar com a expectativa de inflação e escalada do dólar. “Galípolo tem de atuar somente sobre a parte monetária e deixar a parte fiscal para os cuidados do governo federal.”

Na entrevista que você lê a seguir, Porto detalha as suas propostas para enfrentar essa crise fiscal. Ele também diz que a disparada do dólar precisa ser entendida em um contexto maior.

“A primeira conclusão é que o problema recente não foi só a disparada do dólar. São também os juros, a queda da bolsa e a desancoragem da expectativa de inflação. Não é algo idiossincrático do mercado de câmbio.”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao NeoFeed:

O governo federal viu em dezembro a situação econômica escapar do controle após a péssima recepção do pacote fiscal, culminando com uma desvalorização do real e fuga de capitais. Qual o cenário para 2025?
É preciso analisar os fatores que levaram a esse desequilíbrio no câmbio num contexto maior para poder pensar em 2025. A primeira conclusão é que o problema recente não foi só a disparada do dólar. São também os juros, a queda da bolsa e a desancoragem da expectativa de inflação. Não é algo idiossincrático do mercado de câmbio. A segunda conclusão é que, quando se compara com preços de outros ativos de mercados emergentes, os nossos são os piores em performance – não é, portanto, um problema ligado à economia global, é doméstico.

Qual o peso do anúncio do pacote fiscal nesse desequilíbrio que vimos em dezembro?
Esse desequilíbrio não começou quando o governo anunciou o pacote, no fim de novembro. Ele vem ocorrendo desde março. Nessa época, o dólar estava a R$ 5 e o mercado acreditava que a Selic ia cair para um dígito. E, desde então começou a acelerar. O que houve com o anúncio do pacote foi uma intensificação desse processo. É bem provável que a parte fiscal seja a principal responsável por essa saída de capital de diversos ativos que vimos na última semana.

“Esse desequilíbrio vem desde março, quando o dólar estava a R$ 5 e o mercado acreditava que a Selic ia cair para um dígito”

O que é preciso fazer em 2025 para reverter esse processo?
É preciso reforçar os marcos da política fiscal. O arcabouço aprovado em 2023 tem muitas inconsistências. Ele estabelece um limite de crescimento de despesas entre 0,6% e 2,5% ao ano, mas as despesas mandatórias estão crescendo acima desse teto, como os benefícios previdenciários. O governo não consegue cortar esse gasto porque não pode deixar de pagar aposentado. Para limitar esse crescimento de despesas até 2,5% é preciso cortar as despesas discricionárias. O drama é que esse tipo de despesa está chegando num limite – que não está longe – de simplesmente não conseguir cortar mais. Quando chegar a esse ponto, o arcabouço fiscal ficará insustentável.

Apostar no fortalecimento da política fiscal é a única forma de evitar o desmoronamento do arcabouço?
Reforçar a política fiscal, neste momento, é essencial porque estamos vivendo uma combinação de três fatores. Um deles é a fuga de capitais e de diversas classes de ativos do País produzida pela desancoragem da política fiscal. Portanto, apertar as medidas fiscais ajuda nessa linha. O segundo fator é o momento ultra-aquecido da economia, que gera pressões inflacionárias crescentes. De novo, apertar o fiscal é necessário para reduzir a demanda, ao mesmo tempo que aprecia o câmbio, ajudando a fazer com que a atividade econômica desacelere e diminua a pressão inflacionária. Terceiro fator: por trás desse cenário desafiador, as expectativas de inflação não param de desancorar. Portanto, se reforçamos a política fiscal, a expectativa de inflação tende a melhorar.

Então, a solução está em casa, dentro do próprio governo, reforçando o compromisso fiscal. Com que iniciativas?
Há várias formas de você sinalizar austeridade fiscal. Tem a questão da sustentabilidade da dívida pública, que vem crescendo nos últimos dois, três anos. O resultado primário hoje roda na casa de -0,5% do PIB. Para estabilizar a dívida, o País teria de gerar um resultado primário positivo de pelo menos 2% do PIB, de forma permanente. Até lá, a dívida vai continuar subindo. Precisamos estabilizá-la e mostrar nosso compromisso neste sentido aos investidores. Não dá para ter dívida ascendente ad infinitum. Por isso, não existe melhor momento de se fazer um ajuste fiscal do que o atual.

Por quê?
Porque a economia está bombando. Portanto, agora é hora de poupar a arrecadação extra que está vindo pelo crescimento do PIB, que deve fechar o ano em 3,5%. Não estamos gerando superávit primário positivo, estamos gerando déficit. Nossa despesa está crescendo próximo de dois dígitos acima da inflação. A hora de poupar é agora, porque temos uma arrecadação forte. Isso é necessário para que, lá no futuro, quando enfrentarmos um novo choque negativo, como o da Covid ou como a crise de 2008, o País tenha gordura para queimar e fazer uma política fiscal contracíclica.

“O melhor momento de poupar e criar gordura é o atual, com economia bombando e arrecadação extra”

Quais são as armas que o governo dispõe para adotar um ajuste fiscal mais severo?
Se o crescimento da despesa já está sendo ancorada pelo arcabouço fiscal, seria muito bem-vindo que o governo acelerasse o processo de melhora do resultado primário. Isso pode ser feito via redução de gasto, que é o que já foi discutido em lei, mas também pode ser feito via aumento de tributo. Então, seria interessante o governo, por exemplo, discutir algum aumento de carga tributária para acelerar o processo de consolidação fiscal.

Mas ao anunciar o pacote, o governo foi na direção contrária, ao propor isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil por mês…
Sem entrar no mérito da medida em si, mesmo que o governo tenha dito que o resultado produzido com o aumento de isenção com a taxação dois super-ricos seria neutro, faltou transparência. O governo precisa convencer a todos que tem os dados mostrando que taxar as pessoas com renda superior a R$ 50 mil por mês, ou seja, R$ 600 mil por ano, vai ser suficiente para bancar a desoneração de quem ganha até R$ 5 mil por mês. Fica uma sugestão: por que não inverter a lógica?

Em que sentido?
Se os investidores, de modo geral, estão querendo acelerar a consolidação fiscal, o governo poderia então iniciar o processo com o aumento de taxação dos mais ricos. Depois de concluir isso no Congresso, será possível estimar qual vai ser a receita proveniente desse projeto de lei. E aí, em função dessa receita, basta desonerar até o teto que banca as pessoas de baixa renda.

Qual seria o recado?
O de que o governo não se compromete com a isenção para todos que ganham até R$ 5 mil, e sim em desonerar um volume superior ao atual, mas restrito no aumento de taxação. Com isso, o governo assegura para os investidores que está sendo fiscalmente neutro.

Alterar a fórmula do reajuste do salário-mínimo, que impacta no crescimento da dívida pública, não seria mais relevante para esse processo positivo que você listou?
Não há dúvida de que o reajuste do salário-mínimo, na atual fórmula, afeta muito as contas públicas. Cerca de 50% das despesas do governo são atreladas à Previdência Social, e 70% dos aposentados pelo INSS recebem um salário-mínimo. Seria, sim, uma medida importante, mas tem há outros gastos públicos impactantes – me refiro ao gasto tributário.

Como reduzir esse gasto? Há muita resistência política no Congresso…
O País perde 4,5% do PIB em arrecadação com incentivo tributário. Ora, se estamos gerando -0,5% do PIB de resultado primário e precisaríamos pelo menos 2% do PIB positivo para evitar o crescimento da dívida, esses 4,5% do PIB de incentivo tributário cobrem e ainda sobra um pouco. Não precisa cortar todos esses gastos tributários. Boa parte deles não vai para as camadas mais pobres, beneficia grandes empresas. Existe muito desperdício de dinheiro público, alguns gastos trazem mais retorno para a sociedade do que outros.

A essa altura o governo não tem argumento político para aumentar impostos. Como levar adiante?
Estou restrito ao diagnóstico econômico. É inegável que há um custo político para fazer ajuste, seja cortando gasto, seja aumentando tributo. Mas cabe ao governo federal assumir o ônus político de adotar medidas no curto prazo, na crença que vão trazer benefícios políticos no médio e longo prazo. Se o governo deixar o câmbio do jeito que está e continuar depreciando, vai ter um choque inflacionário  contratado no primeiro trimestre mais concentrado em itens comercializáveis, em especial alimentos, atingindo o pessoal de baixa renda, com potencial de afetar a popularidade do presidente.

Tem, por fim, a questão dos juros e a posse de Gabriel Galípolo como presidente do Banco Central, assumindo com o compromisso de elevar a Selic para 14,25% até março. Qual será o maior desafio dele e do BC em 2025?
Galípolo e o BC vão enfrentar em 2025 uma situação extremamente desafiadora em termos de pressões inflacionárias, impactadas pelos cenários interno e externo, com o novo governo de Donald Trump. Por aqui, a preocupação não é só a taxa de câmbio, que depreciou 20% desde março, estamos com crescimento muito forte da economia, muito acima da oferta, com desemprego nas mínimas históricas e salários subindo bem acima da inflação, cujas expectativas estão desancoradas.

Não se trata, portanto, de crise cambial?
Nesses últimos dias ficou claro que essa fuga de capitais, com aumento do dólar, tem muito mais a ver com a desancoragem da política fiscal. Neste sentido, o grande desafio do Galípolo é conseguir trabalhar de uma forma que consiga, até certo ponto, criar uma barreira em que a desancoragem fiscal não afete uma eventual desancoragem monetária.

Como equilibrar esses pratos?
A depreciação da taxa de câmbio faz parte do processo de piora da percepção do fundamento fiscal. Só que ela afeta a inflação – e, aí, o Banco Central tem de subir a taxa de juros. Mas há uma linha muito tênue entre agir para endereçar a inflação e para endereçar o câmbio, porque existe uma ligação muito direta entre a política fiscal e a política monetária. Como presidente do Banco Central, Galípolo tem de atuar somente sobre a parte monetária. A parte fiscal deve deixar aos cuidados do governo federal.

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Neofeed

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