Homem que esperou três dias por vaga em UTI morre após conseguir transferência, e família lamenta demora: ‘Tarde demais’


João Batista Ferreira morreu por complicações de uma pneumonia. Para a família dele, se a vaga na UTI tivesse saído no dia da solicitação, ele teria uma chance de sobreviver. João Batista Ferreira morreu aos 54 anos após complicações de uma pneumonia, em Goiânia
Acervo pessoal
Raiva, frustração e impotência. É assim que a família de João Batista Ferreira se sente com a notícia da morte dele aos 54 anos. O homem, com pneumonia grave, passou três dias internado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Jardim Itaipu, em Goiânia, esperando por uma vaga de UTI. Quando a vaga foi liberada para Nerópolis, cidade vizinha, João foi transferido, mas não resistiu. Para a família, se a vaga tivesse saído antes e dentro da própria capital, talvez, João teria uma chance de sobreviver.
“Quando a gente foi reconhecer o corpo do meu pai, uma médica do hospital de Nerópolis falou pra gente: ‘Olha, se eles tivessem conseguido (a vaga) a tempo, seu pai não teria morrido’. Então, isso foi pura negligência”, lamenta a filha, Giliane Salviano.
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O caso de João Batista é mais um que ilustra o caos na saúde pública de Goiânia. Na última semana, pelo menos quatro pessoas morreram aguardando vaga de UTI. O prefeito eleito, Sandro Mabel (UB), afirmou que a falta de vagas foi causada por falta de pagamento aos hospitais que disponibilizam leitos para a capital, que não tem hospital próprio. Em reunião com o setor e com o Governo de Goiás, Mabel garantiu que, ao assumir a prefeitura, também assumirá essas dívidas.
O g1 entrou em contato com a Secretaria de Saúde de Goiânia para entender mais sobre o atendimento prestado à João Batista e sobre a questão da transferência dele à Nerópolis. O portal também pediu à Saúde de Nerópolis uma nota que explique o que foi feito pelo paciente assim que ele chegou ao hospital da cidade. Até a última atualização da reportagem, não houve retorno.
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Entenda o caso
João Batista, que trabalhava fazendo fretes, começou a passar mal na segunda-feira, dia 19 de novembro. Até então, todos da família achavam que se tratava de uma gripe comum, possível de ser tratada em casa. Mas na terça-feira (20), os sintomas se agravaram.
Como o homem mora em Aparecida de Goiânia, os parentes o levaram para a UPA do Buriti Sereno. Lá, os médicos receitaram Dipirona e mandaram o homem para casa, afirmando que o caso não era grave.
“Eles mandaram meu pai embora umas 23 horas. Quando eram 2h40 da madrugada, meu pai começou a escarrar sangue, e aí eu achei aquilo estranho. Eu e meu irmão levamos meu pai de novo à UPA do Buriti Sereno, mas os médicos simplesmente passaram Dipirona e mandaram a gente voltar para trás. Não foi nem questão de meia hora. Eu e meu irmão, a gente conversou e viu que aquilo estava errado, porque meu pai estava até com o baldinho cheio de sangue”, lembra Gisliane.
O g1 entrou em contato com a Secretaria Municipal de Aparecida de Goiânia pedindo explicações sobre o atendimento oferecido à João Batista na UPA Buriti Sereno. Mas até a última atualização da reportagem, não houve retorno.
João Batista Ferreira, de 54 anos, enquanto esperava vaga de UTI na UPA do Jardim Itaipu, em Goiânia
Acervo pessoal
Inconformados com o atendimento, os filhos de João Batista o levaram até a UPA do Jardim Itaipu, em Goiânia, na quarta-feira (20). Lá, ele foi rapidamente atendido e passou por uma série de exames, que constataram pneumonia e que a situação era grave, necessitando uma internação urgente em UTI.
Apesar da agilidade do atendimento e do pedido de transferência, Giliane comenta que a UPA não tinha medicamentos. Os remédios foram comprados pela família. Mesmo assim, João Batista foi internado e recebeu atendimento enquanto esperava pela transferência.
No sábado (23), Giliane e a irmã, Cidilaine, conversaram com a TV Anhanguera e lamentaram a situação do pai, já prevendo o risco de vida que ele corria com a demora da transferência. “Meu pai está entubado, sabe? Meu pai não está bem, ele está inchado, ele está no estado terminal”, disse Giliane emocionada.
“Aqui não é um hospital. Meu pai precisa de um hospital, de uma UTI. A gente não tem condições de pagar uma UTI por dia, infelizmente. Mas a gente paga nossos impostos e está correndo atrás dos nossos direitos”, afirmou Cidilaine, indignada.
No domingo (24), João Batista conseguiu uma vaga de UTI na cidade de Nerópolis, a pouco mais de 36km da capital. Ele foi transferido, mas na madrugada desta terça-feira (26), um dia depois da transferência, morreu.
Homem morre um dia após conseguir vaga em UTI em Nerópolis
Segundo a filha, João Batista teve uma infecção generalizada causada pela pneumonia. Com isso, os rins pararam de funcionar. O velório dele será realizado nesta terça-feira (26), na igreja Assembleia de Deus, do setor Madre Germana I, em Aparecida de Goiânia.
“Com uma cidade desse tamanho, uma Goiânia desse tamanho, uma Aparecida de Goiânia desse tamanho, não liberaram uma vaga para o meu pai. Minha vontade é de quebrar tudo naqueles hospitais que não fizeram nada. Quando fomos reconhecer o corpo, o médico disse que se ele tivesse pegado a UTI na quarta ele teria saído dessa, ele teria sobrevivido”, lamentou Giliane.
UPAs e CAIS
Em Goiânia, há 312 leitos contratados, sendo que 20 destes estão bloqueados por falta de pagamento, segundo o secretário de saúde de Goiânia, Wilson Pollara.
A distribuição dos pacientes nesses leitos depende também da doença, da “caracterização dos hospitais’ e do que eles são capazes ou não de fazer. Como exemplo, o secretário disse que não é efetivo levar um paciente cardíaco a um hospital que não tenha hemodinâmica.
A Organização Mundial de Saúde pontua que a relação ideal de leitos de UTI é de 1 a 3 para cada 10 mil habitantes. Em Goiânia, segundo o secretário estadual, esse número é maior que 3.
Sobre isso, o Secretário de Saúde do Estado, Rasível dos Reis, explica que as vagas seriam suficientes se houvesse manejamento adequado do paciente na atenção primária, nas UPAs e Centro de Atenção Integrada à Saúde (CAIS). Ele explica que por esse motivo há o agravamento dos doentes e consequentemente a necessidade de mais leitos.
“O tempo médio de permanência dos pacientes têm ficado mais longo e os leitos estão ficando insuficientes. Mesmo tendo um volume de leitos superiores estabelecidos, a gente ainda tem tido dificuldade de conseguir vaga para os pacientes que estão aguardando nas UPAs e nos CAIs”, disse. O secretário estadual ainda explicou que, para resolver esse problema, menos pacientes deveriam escalar na doença, ainda no atendimento base.
“Atender o paciente antes dele agravar é muito mais custo efetivo e reduz complicações, torna o giro do leito mais efetivo, ou seja, passar mais pacientes naquele leito, naquele mesmo período”, disse Rasível.
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