Número de vítimas cai no estado

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Regiões de praia e de grandes comércios: crianças vendendo miudezas, trabalhando em semáforos. Em cidades mais interioranas: crianças trabalhando na quebra da castanha. No Sertão: menores atuando na indústria têxtil. Em todos os rincões do estado, mas também do Brasil, milhares de meninos e meninas são aliciados, seja por necessidade da família, seja pela naturalização de que, sim, crianças e adolescentes devem trabalhar.

No caso da Paraíba, ao menos, o combate ao trabalho infantil tem registrado números positivos. Lançado em outubro deste ano, o Diagnóstico Ligeiro do Trabalho Infantil — Brasil reúne dados extraídos das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio Contínuas (Pnad) de 2019, 2022 e 2023, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para estimar, por unidade federativa, os números do trabalho infantil (considerando crianças e adolescentes, de cinco a 17 anos).

Conforme o documento, na comparação entre 2022 e 2023, a Paraíba apresenta uma redução de 18,7% no número de habitantes com idade entre cinco e 17 anos trabalhando. O desempenho, superior à média brasileira (14,6%), representa um total de 6.182 pessoas a menos nessa situação: se, em 2022, foram contabilizados 33.024 menores dessa faixa etária submetidos ao trabalho na Paraíba, no ano passado, o número caiu para 26.842.

Considerando a proporção desse dado em relação a toda a população de habitantes de cinco a 17 anos no estado — que, em 2023, era de 768.100 pessoas —, a taxa de trabalho infantil na Paraíba ficou em 3,5%. Tanto em números absolutos quanto ao atual índice percentual sobre o problema, a Paraíba figura na 17a posição do ranking nacional do trabalho infantil.

E, ampliando a janela da análise para o período de 2019 a 2023, o avanço em relação à questão se torna ainda mais evidente. A Paraíba registra, entre os cinco anos, uma queda de 30% no número de crianças e adolescentes trabalhando: de 38.300, em 2019, para os 26.842 observados em 2023. Trata-se da quinta maior redução, em todo o Brasil, em dados percentuais, e a oitava em números absolutos: foram constatados, durante esse intervalo, menos 11.458 crianças e adolescentes em situação de trabalho no estado.

Desempenho da Paraíba, entre 2022 e 2023, foi positivo e superou a média nacional

Fórum conecta entidades para combater o problema

Como reconhece Dimas Gomes, coordenador do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente na Paraíba (Fepeti-PB), o levantamento traz, de fato, motivos para comemorar. “Nos três últimos anos, houve uma pequena redução do trabalho infantil no Brasil e, na Paraíba, não foi diferente”, avalia. O Fepeti-PB é composto, atualmente, por 43 grupos de todo o estado, entre organizações governamentais e não-governamentais, além de representações de trabalhadores e de empregadores, com o propósito de articular toda a rede de combate ao trabalho infantil na Paraíba.

Mas, apesar de os números revelados pela pesquisa trazerem a esperança de que cada vez mais menores estejam deixando essas circunstâncias para ocupar espaços de educação e de lazer, especialistas chamam atenção para a existência de casos subnotificados por estudos desse tipo. De acordo com o procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), Raulino Maracajá, esses casos incluem, por exemplo, crianças e jovens que vendem produtos em paradas de sinal de trânsito, atuam como empregados domésticos ou, ainda, são explorados por grupos envolvidos com o tráfico de drogas.

“O trabalho informal urbano é muito presente nas cidades da Paraíba, como também no campo, é muito comum as famílias envolverem as crianças no trabalho. O tráfico de drogas, a exploração sexual e o trabalho infantil doméstico são considerados as piores formas de trabalho infantil; são trabalhos ‘invisíveis’, difíceis de serem combatidos”, salienta o coordenador do Fepeti-PB.

Além disso, segundo o procurador, mesmo os dados apontados oficialmente pelo IBGE refletem o impacto persistente dessa mazela social. “Para a densidade demográfica da Paraíba, esse número de 26 mil pessoas em situação de trabalho infantil é muito, porque o estado só tem 22 municípios com mais de 26 mil habitantes. Esse público é maior do que a população de 200 cidades paraibanas”, afirma Maracajá, assegurando que, diante disso, instituições como o MPT-PB seguem ativas para erradicar o problema: “É muita gente, mas é algo com que a gente vem trabalhando e com que vai trabalhar”.

Tanto para diminuir a subnotificação como para continuar reduzindo o número de casos identificados no estado, a solução, na avaliação do representante do MPT-PB, é a mesma e envolve educação e fortalecimento das redes de enfrentamento à exploração e de proteção às crianças e aos adolescentes.

Mudança cultural ajudaria a quebrar ciclo

De acordo com os especialistas no tema, outro obstáculo a ser superado é a banalização do trabalho infantil — uma perspectiva social e culturalmente enraizada, conforme Dimas Gomes. “Sabemos que o trabalho infantil tem cor e território: a grande maioria [das vítimas] são crianças pretas e periféricas. Uma sociedade adultocêntrica e escravocrata vê o trabalho infantil como a única saída para crianças pobres ‘não se tornarem bandidos’”, aponta o coordenador do Fepeti-PB. 

Envolvimento precoce em situações de trabalho é reflexo de sociedade escravocrata | Foto: Vivi Zanatta/Arquivo Estadão Conteúdo

Para Raulino Maracajá, essa percepção alimenta, de fato, um “ciclo vicioso difícil de quebrar”. O procurador do MPT-PB argumenta: “Não é só baixar um decreto que [o trabalho infantil] vai acabar, porque é cultural. Se você perguntar em grupos de família, alguém vai dizer que é melhor [os menores] estarem lá [trabalhando] do que estarem ‘roubando’, ‘matando’, ‘usando drogas’, ‘pensando besteira’”.

Albeno Silva, gerente- -executivo de Proteção Social Especial da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba (Sedh-PB), também reconhece que essa é uma questão complexa. Responsável pela coordenadoria estadual dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), ele cita o exemplo de uma mãe que, tendo trabalhado desde a infância, é atualmente acompanhada pela filha, menor de idade, em seu ofício de confeccionar meias. “Isso é visto pela família como um processo natural”, conta Silva.

Em sua opinião, a erradicação do trabalho infantil depende de uma mobilização institucionalizada em torno de pesquisa, conscientização e ações estratégicas por parte do Poder Público. “O maior desafio é um levantamento mais específico dos números e dos tipos de trabalho infantil — e onde eles se dão. O segundo ponto é conscientizar e combater o pensamento da naturalização do trabalho infantil. E, por fim, articular melhor políticas públicas e preparar nossos profissionais, com treinamentos e capacitações que transversalizam o trabalho infantil”, indica o representante da Sedh-PB.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de novembro de 2024.

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A União

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