Consciência Negra com os pés no chão

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O sol se despedia na tarde de ontem, na rua Visconde de Pelotas, no Centro de João Pessoa, quando um grupo de pessoas trajadas de branco tocou berimbaus, atabaques e pandeiros, cantou, em uníssono: “Dona Maria, como vai você? Ê, capoeira tem dendê!”. Assim, com a exibição de uma roda de capoeira, teve início a programação do Dia da Consciência Negra, organizada pelo Ateliê Multicultural Elioenai Gomes. O evento invadiu a noite, com uma apresentação do grupo musical feminino Ekundayó, seguido pela peça O Auto dos Orixás, que dá nome a toda a celebração, e de um baile de música afro, conduzido pelo grupo Raízes Parahyba.

O mestre Tatuagem, do grupo Ginga Brasil Capoeira, conta que essa foi a primeira participação de sua equipe na festividade. Para ele, a presença dos capoeiristas no ato contribui para a continuidade de seu trabalho e provoca uma reflexão sobre a história do povo negro. “É importante estarmos aqui, difundindo e divulgando a arte da capoeira e toda a sua história, que passa por Zumbi, pela libertação [dos escravizados], pela resistência e pela persistência. Mas a luta continua”, afirmou.

A líder do Ekundayó, Luciana Peixoto, também enalteceu a possibilidade de apresentar-se no evento com o conjunto musical, após ter atuado por 10 anos como coreógrafa do espetáculo teatral. “O Ekundayó é formado só por mulheres, com dança, música e percussão afro, e todas as nossas músicas são autorais. E O Auto dos Orixás é uma grande referência para muitos negros e negras da Paraíba, porque é o único ato público coletivo, feito de forma independente, que nos representa”, declarou.

 “O Corpo Sagrado”

A peça O Auto dos Orixás foi o ponto alto da noite. O espetáculo é encenado desde 2011 e tem como idealizador o dramaturgo e artista visual Nai Gomes, fundador do ateliê multicultural. Neste ano, a apresentação baseou-se no tema “Yaô — O Corpo Sagrado”, que faz referência às pessoas iniciadas no candomblé. O roteiro teve um viés pedagógico, ensinando ao público as funções dentro de um terreiro, como os babalorixás e ialorixás, e defendendo o cuidado com os corpos que recebem as entidades espirituais.

A atriz Vanda Marques participa da peça desde a edição inaugural, mas, ontem, estreou em uma nova personagem: a orixá Yemanjá. “Representar qualquer entidade do candomblé, para mim, é uma responsabilidade muito grande, ainda mais Yemanjá, que é uma mãe que aceita a todos, independentemente  da religião. E integrar esse espetáculo significa acreditar muito na cultura, respeitá-la e tentar fazer os outros terem só um pouco mais de consciência com relação à religião e à cultura negras”, apontou.

Para Nai Gomes, a realização de mais uma edição do espetáculo, bem como de toda a programação cultural, demonstra a força do movimento negro, mesmo em um cenário de muitos desafios. “O auto surgiu como um ato público, em forma de espetáculo, para o enfrentamento do racismo pessoal, do racismo ambiental, do racismo estrutural e do racismo afrorreligioso. Mas, infelizmente, as coisas não melhoram e, ainda assim, esse evento insiste em existir, porque nós, pretos, já vivemos em estado de resistência”, reiterou o organizador.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de novembro de 2024.

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A União

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