Médico alvo da Falso Negativo entra “pela janela” em seleção do Iges

O processo seletivo de médicos ortopedistas para trabalhar no Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) aprovou o ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde do Distrito Federal, Ricardo Tavares Mendes. O médico foi preso na operação Falso Negativo, que identificou irregularidades na compra de testes para detecção da Covid-19. O prejuízo estimado aos cofres públicos, somente com as supostas fraudes em contatos, foi de R$ 18 milhões.


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Eliminado na etapa que avaliava conhecimentos médicos, Ricardo Tavares entrou “pela janela” quando as questões ele tinha errado foram anuladas após recurso. No resultado preliminar, o médico havia tirado nota 5, e estaria automaticamente desclassificado, já que o mínimo deveria ser 6. No entanto, após a manobra, conseguiu ficar com 6,5. Assim como Ricardo, 15 dos 22 classificados no resultado final foram eliminados em alguma das etapas para contratar os médicos ortopedistas.

A campeã de eliminação foi a prova escrita, que removeu 13 nomes da lista. No entanto, dois candidatos entraram com recursos e foi o suficiente para os demais voltassem a ficar aptos para a prova. Em contrapartida, aqueles que tiveram boas notas inicialmente apresentaram queda na classificação.

Um outro candidato que estava em quinto lugar com os resultados preliminares para conhecimento caiu para a vigésima posição na mesma etapa, após o recurso ser deferido.

O processo seletivo foi elaborado em três etapas classificatórias e eliminatórias. A primeira com comprovação dos requisitos, que envolve a análise de currículo; a segunda uma prova de 20 questões múltipla escolha; e a terceira com o candidato era submetido a uma entrevista com dois avaliadores.

O Metrópoles fez um levantamento com todos os nomes classificados no resultado final, com o rendimento nas fases preliminares e finais, conforme foi divulgado pela própria instituição. Foi a partir dessa apuração, que foi possível perceber que, do total de aprovados, apenas sete candidatos não passaram pela “repescagem” do processo seletivo. Veja:

Prova objetiva

A reportagem também teve acesso ao caderno de provas e outro fator chamou a atenção na elaboração da prova de conhecimento geral: as questões escritas têm a referência bibliográfica. Veja a primeira questão da avaliação como exemplo.

“Em relação a técnica [sic] de fixação de haste Flexíveis [sic] para fratura diafisaria fêmur assinale a correta: (Rockwood children 9ed, pag. 1002)

a) divergência metafisaria aumenta estabilidade torcional.
b) divergência diafisaria diminui estabilidade torcional
c) divergência metafisaria diminui estabilidade angular
d) são utilizadas apenas de forma anterógrada”

Apesar dos erros gramaticais de regência e de concordância na prova, a questão 1 não foi anulada e a resposta correta é a letra “a”, segundo o próprio gabarito.

“Eu quero saber como é que você cancela ou você anula a questão se vem a referência bibliográfica do lado? Ou seja, é essa a questão, ou seja, coloca quem quiser
e também tira quem quiser”, acusou uma pessoa que participa dos processos seletivos do Iges, mas que preferiu não se identificar por medo de represálias da instituição.

“É um modelo que beira o absurdo, persegue os desafetos e coloca na folha de ponto do governo quem for da ‘panelinha’ da chefia”, disse.

Na última etapa da avaliação, ninguém que questionou a entrevista teve recurso deferido, diferentemente do que ocorreu nas outras etapas. Candidatos bem colocados em etapas anteriores são recusados após a terceira fase.

“É uma análise totalmente subjetiva, mas essa não há recurso que mude. Já as provas objetivas com a referência para a questão são facilmente alteradas. Qual é o critério da seleção?”, reclamou.

Histórico como alvo na Falso Negativo

Em 2023, a 12ª Vara Federal do DF absolveu sumariamente todos os 15 réus da Operação Falso Negativo, que levou à cadeia a cúpula da Secretaria de Saúde do DF durante a pandemia de Covid-19. Entre os nomes, o do médico Ricardo Tavares.


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O MPDFT denunciou 15 pessoas. Entre os crimes listados, estão organização criminosa, fraude à licitação e peculato. O órgão pediu ressarcimento mínimo de R$ 46 milhões para reparar supostos danos que teriam sido causados aos cofres públicos.

Sem competência do TJDFT para julgar o caso, as denúncias ainda tramitam no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, após denúncias do Ministério Público Federal (MPF).

Na decisão, o juiz federal Marcus Vinicius Reis Bastos entendeu que todas as provas que basearam a denúncia “são imprestáveis”, porque foram colhidas em buscas e apreensões, além de quebras de sigilos, autorizadas pela Justiça do DF. Por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Justiça do DF foi declarada incompetente para julgar o caso, que foi remetido à Justiça Federal.

A Falso Negativo foi deflagrada, em 2020, pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e pela Polícia Civil do DF. A operação apontou que a cúpula da Secretaria de Saúde tinha um esquema de dispensas ilegais de licitação com preços superfaturados de testes para a Covid-19 e direcionamento dos certames em favor de empresas que estariam envolvidas em um possível conluio com servidores.

Processos seletivos suspeitos

Não é a primeira vez que um processo seletivo do Iges apresenta indícios questionáveis. No ano passado, o Ministério Público de Contas denunciou o instituto por suposto direcionamento de vagas para a contratação de pessoal. Também foi apontado favorecimento de candidatos que trabalham ou já trabalharam na instituição.

Nessa denúncia, que foi aceita pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, o MPC apontou que dos 351 candidatos classificados na fase de análise curricular, 53 são ou eram colaboradores do Iges/DF, o que corresponde a cerca de 15% dos candidatos aprovados.

O Metrópoles perguntou ao TCDF quantos processos relacionados a suposto favorecimento em processos seletivos estão em andamento na corte de contas, que alegou que são “diversos processos” desse tipo e listou três de maior relevância.

Em todos, o tribunal avalia a falta de critérios objetivos mínimos, com ofensa aos princípios da impessoalidade, da transparência, da moralidade, da economicidade e da eficiência.

Em 2021, uma outra denúncia com os mesmos apontamentos também ficou em foco do TCDF para preencher 700 vagas no instituto.

O Iges-DF não precisa realizar concurso público. Mas, para o TCDF, as seleções devem possuir mecanismos para impedir escolhas por preferências pessoais, apadrinhamentos, nepotismos ou discriminações.

Operação dengue

O resultado final que classificou um dos alvos da Operação Falso Negativo como um dos médicos ortopedistas para trabalhar no Iges saiu na mesma semana em que a Polícia Civil prendeu funcionários do Iges-DF por suspeita de desviarem testes da dengue para fins particulares.

Com os envolvidos, a polícia apreendeu cerca de 4 mil unidades de teste para detecção de dengue, com validade para maio de 2025 e ao custo total de R$ 63,8 mil.

O Metrópoles questionou Iges-DF, mas não teve resposta até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.

O que o Iges diz:

O Iges informou em nota que aprovação do ex-secretário adjunto Ricardo Tavares está amparada pela não RE 560900 (Tema 22 do STF) que assegura presunção de inocência até o trânsito em julgado, responder inquérito policial e ação penal não impede a participação de candidatos que ainda não tenham sido condenados.

Em relação à classificação dos candidatos, o Instituto destacou que “não existe a menor possibilidade de candidatos reprovados, voltarem ao processo seletivo”. Segundo o instituto, a única previsão expressa no edital todas as etapas são passíveis de recurso. “Dessa forma, a única possibilidade do candidato retornar ao processo seletivo é caso haja a anulação de sua reprovação”, declarou.

“No resultado preliminar da comprovação de requisitos 39 candidatos foram aprovados, contudo, foram interpostos 5 recursos dos quais apenas 2 foram deferidos. Dessa forma, no resultado final da etapa 41 candidatos foram aprovados. No quesito avaliação de conhecimentos 5 candidatos não compareceram. Dos 36 candidatos presentes, no resultado preliminar, 11 foram aprovados. Os candidatos interpuseram 6 recursos na avaliação de conhecimentos dos quais 5 foram deferidos. Dessa forma, o número de aprovados subiu para 25. Por fim, na etapa de entrevista, dos 25 candidatos, 22 foram aprovados e 3. Foram recebidos 2 recursos, ambos indeferidos”, destacou.

Em relação à aprovação do ex-secretário adjunto Ricardo Tavares, o IgesDF destacou que está amparado pela não RE 560900 (Tema 22 do STF) que assegura presunção de inocência até o trânsito em julgado, responder inquérito policial e ação penal não impede a participação de candidatos que ainda não tenham sido condenados.

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Por Metrópoles

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