{"id":277007,"date":"2025-04-13T02:15:29","date_gmt":"2025-04-13T05:15:29","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/leragencia4\/277007"},"modified":"2025-04-13T02:15:29","modified_gmt":"2025-04-13T05:15:29","slug":"exportacao-de-gado-vivo-cresce-no-brasil-em-meio-a-denuncias-de-maus-tratos-e-condicoes-insalubres","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/leragencia4\/277007","title":{"rendered":"Exporta\u00e7\u00e3o de gado vivo cresce no Brasil em meio a den\u00fancias de maus-tratos e condi\u00e7\u00f5es insalubres"},"content":{"rendered":"

Bovinos s\u00e3o transportados em navios e enfrentam longas viagens em alto mar, muitas vezes em meio a fezes e urina. Em 2024, mais de 1 milh\u00e3o de animais brasileiros foram enviados ao exterior. Embarque de 27 mil bois em navio no Porto de Santos, em fevereiro de 2018, gerou controv\u00e9rsia
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/TV Tribuna
\nNormalmente, o gado \u00e9 transportado das fazendas at\u00e9 os frigor\u00edficos, onde \u00e9 abatido. Mas, em 2024, pouco mais de 1 milh\u00e3o de bois, vacas e bezerros brasileiros tiveram outro destino.
\nEmbarcados em navios, cruzaram oceanos, muitas vezes cobertos de fezes e urina, at\u00e9 serem mortos no exterior \u2013 a maioria com a garganta cortada enquanto ainda estavam conscientes.
\nA exporta\u00e7\u00e3o de animais vivos, tamb\u00e9m conhecida como exporta\u00e7\u00e3o de gado em p\u00e9, vem sendo proibida ou limitada em alguns pa\u00edses. No ano passado, o Reino Unido aprovou uma lei proibindo o neg\u00f3cio, seguindo o exemplo da Nova Zel\u00e2ndia. Austr\u00e1lia e Alemanha tamb\u00e9m impuseram restri\u00e7\u00f5es.
\nMas no Brasil, a atividade est\u00e1 em expans\u00e3o. Nos \u00faltimos 20 anos, mais de 8,8 milh\u00f5es de animais vivos foram exportados.
\nEm 2024, o setor bateu recorde: mais de 1 milh\u00e3o de bovinos \u2014 entre bois, vacas e bezerros \u2014 foram embarcados para pa\u00edses como Turquia, Egito e Iraque, segundo dados da Secretaria de Com\u00e9rcio Exterior (Secex). O volume representa um aumento de mais de 40% em rela\u00e7\u00e3o a 2023.
\nApesar do crescimento, a exporta\u00e7\u00e3o de animais vivos tamb\u00e9m enfrenta resist\u00eancia no Brasil. Especialistas e ativistas tentam barrar a atividade por meio da Justi\u00e7a e do Congresso, alegando maus-tratos aos animais, risco sanit\u00e1rio e polui\u00e7\u00e3o nos mares.
\nConfinados com fezes e urina
\nParte dos animais brasileiros exportados em 2024 – 19 mil cabe\u00e7as de gado – estava a bordo do navio Al Kuwait em fevereiro do ano passado.
\nA embarca\u00e7\u00e3o, que saiu do Rio Grande do Sul rumo ao Iraque, precisou parar na \u00c1frica do Sul e deixou a Cidade do Cabo com um “fedor inimagin\u00e1vel”, segundo relatou o jornal ingl\u00eas The Guardian .
\nRepresentantes de um conselho sul-africano que combate a crueldade contra animais entraram na embarca\u00e7\u00e3o e encontraram bois mortos, doentes e cobertos de fezes, classificando a situa\u00e7\u00e3o como “abomin\u00e1vel”.
\nA situa\u00e7\u00e3o dos animais exportados vivos tamb\u00e9m repercutiu em janeiro de 2018, no Porto de Santos, por causa do embarque de 27 mil bois rumo \u00e0 Turquia. Devido a protestos de ativistas e uma s\u00e9rie de decis\u00f5es liminares, o navio Nada zarparia somente quatro dias ap\u00f3s o previsto.
\nBois confinados antes de embarque em navio no Porto de Santos, em 2018
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/TV Tribuna
\nO cheiro causado pelas fezes e urina dos animais infestou a cidade e foi descrito como insuport\u00e1vel por muitos moradores. A pedido da Justi\u00e7a, a m\u00e9dica-veterin\u00e1ria Magda Regina entrou no navio para fazer um laudo das condi\u00e7\u00f5es dos bovinos.
\n“Durante toda a viagem, que pode durar semanas, a depender do destino, os animais s\u00e3o mantidos em espa\u00e7os ex\u00edguos, confinados nas mesmas baias, juntamente com as fezes e a urina resultantes deste processo”, descreveu em um trecho do documento.
\nA m\u00e9dica-veterin\u00e1ria disse que h\u00e1 muitos ind\u00edcios que comprovam “maus-tratos e viola\u00e7\u00e3o expl\u00edcita da dignidade animal”.
\nE afirmou que “a pr\u00e1tica de transporte mar\u00edtimo de animais por longas dist\u00e2ncias est\u00e1 intr\u00ednseca e inerentemente relacionada \u00e0 causa\u00e7\u00e3o de crueldade, sofrimento, dor, indignidade e corrup\u00e7\u00e3o do bem-estar animal sob diversas formas”.
\nO laudo foi uma das pe\u00e7as que levou a Justi\u00e7a Federal de S\u00e3o Paulo a proibir a exporta\u00e7\u00e3o. Mas logo as inst\u00e2ncias superiores reverteram a decis\u00e3o. Uma lei do munic\u00edpio de Santos que barrava a pr\u00e1tica na cidade tamb\u00e9m foi revogada na Justi\u00e7a.
\nOs maus-tratos aos animais s\u00e3o constantes, avaliou a m\u00e9dica-veterin\u00e1ria Maria Eugenia Carretero, mestre e doutora em patologia animal e integrante nas ONGs Canto da Terra e G269.
\n“S\u00e3o toneladas de fezes e urina produzidas por dia, \u00e0s vezes chegando a uma altura de 30 cent\u00edmetros. Imagino que o bicho doente ou debilitado cai e aspira esse coc\u00f4”, afirmou.
\nLeia tamb\u00e9m:
\nCaf\u00e9 fica 77% mais caro em um ano, segundo IBGE
\nLim\u00e3o raro no Brasil pode custar at\u00e9 R$ 800 o quilo
\nO que o arroto do boi tem a ver com o aquecimento global?
\nDebate jur\u00eddico
\nAntes mesmo desse epis\u00f3dio, em 2017, o F\u00f3rum Nacional de Prote\u00e7\u00e3o e Defesa Animal (FNPDA) havia entrado com uma a\u00e7\u00e3o na Justi\u00e7a Federal de S\u00e3o Paulo contra a Uni\u00e3o para tentar proibir as exporta\u00e7\u00f5es em todos os portos do pa\u00eds.
\nA ONG sustentou que o transporte \u00e9 realizado de modo cruel, assim como o abate a que s\u00e3o submetidos.
\nUm dos principais motivos para a importa\u00e7\u00e3o de bovinos vivos \u00e9 a forma do abate adotado nos pa\u00edses mu\u00e7ulmanos. No m\u00e9todo Halal, o abatedor precisa ser mu\u00e7ulmano e cortar a garganta do animal com uma faca bem afiada \u2013 o bicho deve estar consciente.
\nPor isso esses pa\u00edses compram o boi vivo, para garantir que este ser\u00e1 morto da maneira que a religi\u00e3o preconiza. “\u00c9 um m\u00e9todo sem insensibiliza\u00e7\u00e3o”, explicou Maria Eugenia Carretero.
\n“No Brasil \u00e9 feita a insensibiliza\u00e7\u00e3o, geralmente com uma pistola pneum\u00e1tica usada na cabe\u00e7a. O animal \u00e9 deixado em coma, se ela for bem aplicada. O animal pelo menos vai ser sangrado sem ter consci\u00eancia.”
\nEm abril de 2023, a Justi\u00e7a Federal de S\u00e3o Paulo deu ganho de causa ao F\u00f3rum, proibindo a exporta\u00e7\u00e3o. Em fevereiro deste ano, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 3\u00aa Regi\u00e3o (TRF3) derrubou a decis\u00e3o, julgando que a atividade n\u00e3o fere a legisla\u00e7\u00e3o brasileira. O FNPDA est\u00e1 recorrendo.
\nVeja o que dizem os ativistas que tentam proibir a exporta\u00e7\u00e3o de gado vivo
\nDebate no Congresso
\nH\u00e1 pelo menos dois projetos no Congresso pedindo o fim da exporta\u00e7\u00e3o de animais vivos. O projeto de lei (PL) 3.093, de 2021, \u00e9 de autoria da Comiss\u00e3o de Direitos Humanos do Senado.
\n “H\u00e1 constata\u00e7\u00f5es de superlota\u00e7\u00e3o, o que inflige desgaste f\u00edsico e dor aos animais, e pr\u00e1ticas de crueldade no trato em embarca\u00e7\u00f5es, ferindo a dignidade dos animais”, descreveu o senador Fabiano Contarato (PT-ES) em seu relat\u00f3rio.
\nJ\u00e1 na C\u00e2mara dos Deputados, tramita o PL 521, de 2024, que tem como autor o deputado C\u00e9lio Studart (PSD-CE).
\n“Atualmente, o transporte de animais por via mar\u00edtima para exporta\u00e7\u00e3o \u00e9 uma pr\u00e1tica que levanta s\u00e9rias preocupa\u00e7\u00f5es. O transporte inadequado, as condi\u00e7\u00f5es insalubres e os espa\u00e7os reduzidos constituem maus-tratos evidentes”, justificou o parlamentar no texto.
\nAl\u00e9m do sofrimento dos animais, o relat\u00f3rio do senador Contarato destacou os riscos ao meio ambiente e \u00e0 sa\u00fade p\u00fablica.
\nEm rela\u00e7\u00e3o ao primeiro, citou o acidente em Barcarena, no Par\u00e1, em 2015. O navio afundou durante o embarque, matando 5 mil bois e causando um desastre ambiental na regi\u00e3o.
\nEm rela\u00e7\u00e3o aos riscos sanit\u00e1rios, Contarato lembrou de um caso na China.
\n“\u00c9 muito importante destacar a crise provocada pelo surto de Peste Su\u00edna Africana (PSA), que dizimou mais da metade do rebanho de su\u00ednos da China. A principal hip\u00f3tese para o fen\u00f4meno foi a chegada da doen\u00e7a por meio da importa\u00e7\u00e3o de animais vivos”, escreveu o senador.
\n“Portanto, do ponto de vista de seguran\u00e7a sanit\u00e1ria, h\u00e1 mecanismos mais eficientes de continuidade de produ\u00e7\u00e3o de prote\u00edna animal, com risco infinitamente inferiores”, concluiu.
\nPor que tem tanto boi na Amaz\u00f4nia?
\nRegras deficientes
\nEm agosto de 2024, a jornalista e ativista de direitos dos animais Janine Koneski de Abreu entregou uma carta ao presidente Luiz In\u00e1cio Lula da Silva pedindo o fim da exporta\u00e7\u00e3o de animais vivos. Apresentou pareceres de especialistas, anexou fotos e relembrou da hist\u00f3ria do boi Elias, ocorrida em 2018.
\n“N\u00e3o \u00e9 incomum que alguns destes bois se atirem ao mar, tentando fugir da escolha feita para eles. A hist\u00f3ria do boi Elias, que se lan\u00e7ou ao mar da embarca\u00e7\u00e3o e nadou por 5 horas em S\u00e3o Sebasti\u00e3o (SP), tocou tantas pessoas em todo o pa\u00eds que virou um document\u00e1rio, assistido por mais de 20 mil pessoas em menos de um ano”, afirmou.
\nO Minist\u00e9rio da Agricultura e Pecu\u00e1ria (Mapa) n\u00e3o respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem. Mas sua posi\u00e7\u00e3o foi apresentada em resposta \u00e0 carta da jornalista.
\nA pasta defendeu a import\u00e2ncia econ\u00f4mica da atividade, que movimentou R$ 20 bilh\u00f5es entre 2014 e 2023. “Al\u00e9m dos recursos envolvidos, a atividade envolve importante rede de produtores, trabalhadores e empres\u00e1rios rurais.”
\nSalientou que a exporta\u00e7\u00e3o de animais vivos \u00e9 regulamentada pela Instru\u00e7\u00e3o Normativa n\u00ba 46, de 2018. Antes de serem embarcados nos navios, os animais passam por uma quarentena em Estabelecimentos Pr\u00e9-Embarque e precisam ter um Certificado Zoossanit\u00e1rio Internacional.
\n“Contudo, as garantias fornecidas pelo servi\u00e7o veterin\u00e1rio brasileiro est\u00e3o limitadas at\u00e9 a etapa de p\u00f3s-embarque dos animais nos navios, momento em que as condi\u00e7\u00f5es previstas em normas s\u00e3o verificadas pela equipe do Mapa”, informou.
\nA pasta reconheceu a defici\u00eancia nas regras durante a viagem.
\n“O capit\u00e3o do navio est\u00e1 subordinado a regras e procedimentos definidos por organiza\u00e7\u00f5es internacionais regulamentadoras do transporte mar\u00edtimo de modo geral, o que, atualmente, no que se refere \u00e0 carga viva, nomeadamente ao bem-estar dos animais, apresenta-se deficiente.”
\nO Mapa diz estar trabalhando em f\u00f3runs internacionais para melhorar o regramento desta atividade.
\nAl\u00e9m do sofrimento dos animais durante a viagem, n\u00e3o se conhece o n\u00famero de animais que morrem e que ficam feridos durante a exporta\u00e7\u00e3o. Essas informa\u00e7\u00f5es deveriam ser passadas pelos exportadores ao Mapa, segundo os ativistas.
\n“Muitos animais jovens e saud\u00e1veis entram no navio e morrem l\u00e1 dentro”, avaliou a m\u00e9dica-veterin\u00e1ria Maria Eugenia Carretero. “Para mim, \u00e9 como se fosse um crime premeditado”.
\nPor que a comida ficou mais cara no Brasil<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Bovinos s\u00e3o transportados em navios e enfrentam longas viagens em alto mar, muitas vezes em meio a fezes e urina. Em 2024, mais de 1 milh\u00e3o de animais brasileiros foram enviados ao exterior. Embarque de 27 mil bois em navio no Porto de Santos, em fevereiro de 2018, gerou controv\u00e9rsia… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-277007","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/277007","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=277007"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/277007\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=277007"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=277007"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia4.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=277007"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}