Lula joga contra contas do governo ao barrar dividendo extra da Petrobras

A decisão do Conselho de Administração da Petrobras de reter dividendos extraordinários referentes ao quarto trimestre de 2023 pode prejudicar diretamente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em seu esforço para atingir a meta de zerar o déficit primário em 2024. Isso porque, como sócia majoritária da petrolífera, a União teria direito a até R$ 16 bilhões do repasse de lucro, o que ajudaria a elevar a arrecadação federal neste exercício.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no entanto, teria orientado os indicados do governo no colegiado que votassem contra a distribuição dos recursos, segundo divulgou inicialmente a agência Reuters. A decisão ainda pode ser revista.

A posição acabou saindo vitoriosa, o que frustrou as expectativas do mercado financeiro. Na sexta-feira (8), as ações da Petrobras despencaram cerca de 10% na B3, reduzindo em R$ 55,3 bilhões o valor de mercado da empresa. Instituições como Bank of America (BofA), Bradesco BBI e Santander retiraram a recomendação de compra dos papéis, mudando para classificação “neutra”.

Nesta segunda-feira (11), Lula minimizou o fato, dizendo que a Petrobras não deve pensar apenas em seus investidores. “A Petrobras não é apenas uma empresa de pensar nos acionistas que investem nela, porque a Petrobras tem que pensar no investimento e pensar em 200 milhões de brasileiros que são donos dessa empresa ou sócios dessa empresa”, disse, em entrevista ao SBT.

Apesar disso, após a repercussão negativa do anúncio da estatal, Lula convocou uma reunião nesta tarde com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

O posicionamento dos conselheiros indicados pelo governo em defesa de reter os dividendos teria sido influenciado por Alexandre Silveira, a contragosto de Prates, segundo apurou a Folha de S.Paulo.

O presidente da Petrobras alegava que não distribuir o dinheiro extra poderia derrubar o valor de mercado da empresa, de acordo com relato colhido pela colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo. O ministro de Minas e Energia, por sua vez, argumentava que o pagamento poderia afetar a capacidade da empresa de se financiar para fazer frente ao seu plano de investimentos de R$ 102 bilhões, aprovado no fim do ano passado.

Embora o dinheiro, agora destinado a um fundo de reserva, não possa ser usado diretamente em investimentos, o ministro considera que o manter no caixa da Petrobras pode ajudar a empresa a conseguir empréstimos em condições mais favoráveis.

Lucro destinado a fundo de reserva pode ser distribuído em outro momento

Em fato relevante divulgado na quinta-feira (7), a Petrobras
informou que o valor será integralmente destinado para reserva de remuneração do
capital, “com a finalidade de assegurar recursos para o pagamento de
dividendos, juros sobre o capital próprio, suas antecipações e recompras de
ações”.

“Vemos a tese de investimentos agora como uma questão de
avaliar a probabilidade de grandes movimentos de M&A [fusões e aquisições] ocorrerem
no curto prazo. Se isso foi o que levou à decisão do Conselho de Administração,
as ações provavelmente cairão ainda mais, devido a uma combinação de má
alocação de capital com dividendos mais baixos”, afirma a XP Investimentos em
relatório assinado por André Vidal e Helena Kelm, analistas de Óleo, Gás e
Petroquímicos.

“Por outro lado, se isso tiver sido motivado principalmente pela vontade do governo de manter um ‘plano de reserva’ para o caso de as contas fiscais se deteriorarem em breve, então esse dinheiro estocado acabará sendo pago de volta aos investidores e as ações poderão apresentar um bom desempenho de retorno total no futuro”, afirmam os economistas.

Após a reunião desta tarde, em conversa com jornalistas, Haddad contemporizou o episódio e disse que há a possibilidade de os lucros extraordinários serem distribuídos em outro momento, a depender da “conveniência”.

“O que foi decidido pelo conselho: que a distribuição dos lucros extraordinários será feita à medida que ficar claro para o conselho que isso não vai comprometer o plano de investimento da companhia. Então, ao invés de fazer a distribuição de 100% dos dividendos extraordinários ou de 0%, se julgou conveniente de à luz dos desdobramentos dos investimentos nas próximas semanas e meses, o conselho volta a se reunir para julgar a conveniência de fazê-lo e de quando fazê-lo. Esse tipo de decisão não tem nenhum problema”, disse o ministro da Fazenda.

Silveira, por sua vez, ao ser questionado se a Petrobras pode mudar a decisão sobre o pagamento, disse que a questão é “dinâmica”. Ele afirmou ainda que os investidores sabem que o governo Lula tem maioria no conselho, em uma resposta a críticas de que haveria interferência do Planalto na empresa.

“Questão da distribuição [dos dividendos] é dinâmica. Foi para a conta de contingência. Governo do presidente Lula tem trabalhado com muito cuidado no respeito à governança da Petrobras. Todos os investidores sabem que governo é controlador, tem maioria do conselho”, afirmou.

O Conselho de Administração da Petrobras é formado por 11 integrantes, dos quais seis são ligados ao governo. A decisão de reter R$ 43,9 bilhões que poderiam ser distribuídos como dividendos adicionais prevaleceu por seis votos a quatro, com votos favoráveis dos cinco conselheiros indicados pelo governo, além da representante dos trabalhadores, de acordo com apuração do jornal O Estado de S.Paulo.

Os quatro representantes de acionistas minoritários teriam
votado a favor da distribuição de 100% dos recursos. Contrariando a orientação
do governo, Prates se absteve na votação.

“A sugestão da diretoria foi dividir 50% [de dividendos extraordinários] e 50% [de não pagos], mas a decisão do conselho é soberana”, disse o presidente da Petrobras na sexta-feira, em entrevista coletiva.

Nesta segunda-feira (11), Prates negou que Lula tenha ordenado a decisão do conselho da Petrobras, mas disse que a empresa “discute com o governo dentro dos espaços possíveis”.

“O presidente não deu nenhuma ordem sobre a questão dos dividendos. Nós estamos discutindo isso com o acionista majoritário dentro dos espaços possíveis. Houve uma discussão a tempo do anúncio do balanço, havia necessidade de fechar o balanço. E foi definido que a gente adiaria a discussão”, disse no final da manhã ao portal g1.

Decisão sobre dividendos gerou crise interna no governo

O episódio fez aumentar uma crise no governo petista, que coloca Silveira e Prates em lados opostos. Os dois já se indispuseram publicamente em outras ocasiões, a mais recente quando o ministro cobrou que a Petrobras ajudasse o setor aéreo com a redução no preço do querosene de aviação (QAV).

Dessa vez, porém, a divergência interna envolveria ainda o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que teria avalizado a posição de Silveira. O Ministério da Fazenda, por sua vez, defendia o pagamento dos dividendos extras pela companhia, em um momento em que o titular da pasta, Fernando Haddad, tem recuado em medidas para elevar a arrecadação do governo diante da resistência do Congresso.

Com direito a 37% dos dividendos, a União poderia receber até R$ 16,24 bilhões caso todo o lucro remanescente destinado ao fundo de reserva fosse distribuído. Se prevalecesse a ideia de Prates de repassar aos acionistas 50% do valor, o montante, R$ 8,12 bilhões, já compensaria quase a totalidade do custo da desoneração da folha de pagamento de 17 setores, que Haddad luta para extinguir.

Em 2022, último ano do mandato de Jair Bolsonaro (PL), o governo conseguiu obter um superávit primário de R$ 54,1 bilhões em grande parte graças a dividendos e participações em empresas, que totalizaram R$ 87 bilhões. Desse montante, 65% (R$ 56,37 bilhões) vieram da Petrobras.

Segundo apurou o Valor Econômico, na semana passada, integrantes da equipe econômica teriam dito a Prates e ao diretor de Finanças e de Relações com Investidores, Sergio Caetano Leite, que o pagamento “estaria de acordo com a legislação e as expectativas justas do mercado”.

“Foi uma decisão
errada que prejudica o esforço fiscal”, disse uma fonte da equipe ao jornal. Segundo
esse interlocutor, muitos analistas de mercado temiam uma ingerência do governo
na Petrobras para a equipe econômica na frente fiscal. “Mas é o oposto, o
contrário.”

Apesar disso, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério
Ceron, disse, na sexta, que a decisão da Petrobras não afeta as previsões de
receitas da União para 2024, uma vez que as projeções oficiais não consideram dividendos
extraordinários de estatais.

“Nós só colocamos na previsão os dividendos regulares. A gente não coloca esse tipo de especulação, previsão, expectativa que pode vir, extraordinária”, disse Ceron em entrevista ao podcast Stock Pickers, do portal Infomoney, após a divulgação dos resultados da Petrobras. “Então a previsão de dividendos que nós colocamos na proposta de Orçamento geralmente tem um grau de segurança bom”, afirmou.

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Fonte : Gazeta do Povo

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