Paraíba tem 215 casos no 1o semestre

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Entre as experiências profissionais que as pessoas almejam vivenciar quando ingressam no mercado de trabalho, o assédio — moral ou sexual — não é uma delas. Na Paraíba, contudo, as denúncias de casos desse tipo cresceram. Seguindo uma tendência de alta iniciada em 2020, o primeiro semestre deste ano registrou o maior número de ocorrências para o período, nos últimos seis anos, e ainda supera os registros totais de 2019 e 2021: foram 215 denúncias, sendo 200 referentes a violência ou assédio moral; 10 de violência ou assédio sexual; e cinco envolvendo as duas práticas. Em 2019, foram 170 denúncias, e em 2021, 207. Os dados são do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB).

“A gente pede para as pessoas denunciarem quando souberem da prática, mesmo que não sejam as vítimas”
– Andressa Coutinho

A procuradora do Trabalho do MPT-PB, Andressa Ribeiro Coutinho, atribui o aumento dos casos registrados a dois fatores: a normalização do assédio por uma parte dos gestores e a conscientização sobre a importância da denúncia. “Hoje, algumas pessoas acabam achando normal praticar o assédio, por acreditarem que está dentro de um uso regular do direito. Por outro lado, aumentou o conhecimento do trabalhador e da sociedade, no sentido de que se deve denunciar. Por isso, a gente pede para as pessoas denunciarem quando souberem da prática, mesmo que não sejam as vítimas”, afirma Andressa, que também é coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade-MPT).

Ainda segundo a procuradora, a investigação das denúncias é prioritária no MPT-PB, já que o assédio é uma das principais causas do adoecimento mental de profissionais — o que, muitas vezes, resulta no afastamento do trabalho. Na Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) lista outros efeitos negativos para as vítimas: dores generalizadas, palpitações, distúrbios digestivos, pressão alta, alteração do sono, abandono de relações pessoais e esgotamento físico. As consequências também atingem as empresas, com a redução da produtividade, a rotatividade de pessoal, o aumento de erros e acidentes e a exposição negativa da marca; e o próprio Estado, que passa a gastar com tratamentos médicos, benefícios sociais e processos administrativos e judiciais.

Desgaste até a demissão

A administradora Maria (que preferiu não ser identificada e teve seu nome verdadeiro preservado pela reportagem) não tem boas lembranças de seu último emprego. Ela crê ter sido vítima de assédio moral por parte do gerente, em uma relação que se desgastou por um ano até a demissão dela, no primeiro semestre. “Se o gerente estivesse em um dia ruim, todos nós teríamos um dia ruim, porque qualquer coisa seria motivo para um grito ou piadas inconvenientes. Ele também usou técnicas de isolamento e passava o dia todo na sala sem falar comigo. Quando eu falava, ele fingia que não tinha ouvido. Também não respondia meus e-mails, minhas mensagens no WhatsApp nem meus projetos”, relata.

A reiteração dessas práticas provocou, na profissional, algumas das consequências comuns a quem sofre assédio, como o desânimo e o isolamento social. “Uma semana antes de ser demitida, teve feriado na quinta-feira e na sexta-feira, e eu passei quatro dias sem sair de casa. Não vi ninguém e passei todo o tempo dormindo, porque não tinha vontade de fazer nada. Estava muito próxima de procurar um psiquiatra e solicitar afastamento por burnout”, conta a administradora. Após o desligamento da empresa, porém, a saúde mental de Maria melhorou.  Agora, a profissional espera encontrar um novo posto de trabalho em um local seguro.

De xingamentos a cantadas, crimes se manifestam de várias maneiras 

Os episódios vividos por Maria são exemplos das formas como o assédio moral pode se manifestar. A cartilha de prevenção do TST define a prática como “a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades”.

Segundo Andressa Coutinho, tais situações vão além dos xingamentos. “Uma forma clássica é, em uma reunião onde há uma equipe presente, o trabalhador sugerir alguma ideia, mas o superior dizer que ela é ruim ou, simplesmente, fingir que a pessoa não existe. Ou, por exemplo, quando a pessoa é transferida para um local de trabalho, onde ela fique isolada e não tenha mais a sensação de pertencimento. Ser transferida para uma unidade distante da sua casa ou ser forçada a praticar determinada tarefa que não faça parte das suas atribuições também pode ser uma forma de assédio”, explica a procuradora do Trabalho.

“O assédio sexual está ligado a promessas de ganhos baseadas em questões de conotação física ou amorosa”
– Rayanne Aversari

Já o assédio sexual, conforme tipificado pelo Código Penal, ocorre quando uma pessoa em posição de superioridade constrange outra, a fim de conseguir vantagem ou favorecimento sexual. A advogada trabalhista Rayanne Aversari dá exemplos de situações que podem configurar esse crime: “O assédio sexual está ligado a promessas de ganhos baseadas em questões de conotação física ou amorosa, como prometer aumento salarial, uma bonificação ou uma promoção de cargo. Também acontece quando se fazem cantadas e investidas às quais a pessoa não corresponde”.

De acordo com a procuradora do MPT-PB, o assédio moral atinge, mais comumente, as populações historicamente discriminadas, como mulheres, negros, a comunidade LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência. “Já no assédio sexual, as vítimas são majoritariamente mulheres, porque é uma questão cultural brasileira. A gente ainda vive em uma sociedade com resquícios do patriarcalismo e está imbuído, no inconsciente coletivo, que a mulher, mesmo tendo conquistado vários direitos, é o lado mais frágil da relação, sendo tida pelo homem, muitas vezes, como uma ‘coisa’”, complementa Andressa.

Sanções possíveis incluem assinatura de TAC e multa

Vítima deve reunir provas para investigação do MPT-PB

O MPT-PB é o órgão responsável por receber queixas de assédio no trabalho e proceder com as investigações. A denúncia, inclusive, pode ser anônima, e o inquérito é conduzido de forma sigilosa, a fim de evitar interferências por parte da empresa envolvida.

Definição
Segundo o TST, assédio moral é “a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada”

Andressa Coutinho conta que, nesses processos, os investigadores devem se valer de sua criatividade. “Podem ser ouvidas pessoas que já foram demitidas da empresa e não têm mais medo de retaliação. A prova também pode ser produzida a partir dos meios tecnológicos, como conversas de WhatsApp e e-mails. Ou, se o empregador retirou uma gratificação do trabalhador, sem justificativa, já temos um indício de que o relato é verídico”, exemplifica.

Por sua vez, o profissional que considera ser vítima de assédio precisa se manter atento e reunir elementos que sustentem a denúncia, como frisa Rayanne Aversari. “Como meio de prova, ele pode fazer gravações do seu ambiente de trabalho, mas somente em conversas de que esteja participando. Também se podem utilizar [registros de] advertências e suspensões, se existirem. Porém, nem todo trabalhador tem a sagacidade de registrar o que acontece, porque a empresa tem o cuidado, por exemplo, de não praticar nada pelo WhatsApp, nem de mandar e-mails com teor intimidatório”, alerta a advogada.

Se as evidências reunidas pela vítima e pelo Ministério Público forem convincentes, a tendência é que os casos sejam resolvidos. Segundo Andressa, uma sanção possível é a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pela empresa, determinando o pagamento de multa, a promoção de ações educativas e o compromisso de não praticar nem tolerar mais assédio. Havendo a recusa da assinatura, contudo, o processo culmina em uma ação civil pública. Além disso, se forem observados outros crimes, há a possibilidade de uma responsabilização penal, com a condução de inquérito pelo Ministério Público, nas esferas estadual ou federal — a depender de qual órgão tenha competência para investigar o réu.

Saiba Mais
– Confira como denunciar um caso de assédio moral ou sexual:
A denúncia de assédio moral ou sexual pode ser realizada junto ao MPT-PB, por meio do WhatsApp (83) 3612-3128 ou pelos telefones (83) 3612-3100, de João Pessoa, e (83) 3344-4650, de Campina Grande. Também é possível registrar os casos pelo aplicativo MPT Pardal e pelo site www.prt13.mpt.mp.br/servicos/denuncias. Além disso, o trabalhador pode recorrer ao setor de compliance da própria empresa empregadora, caso ela o possua, para demandar uma investigação interna.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de julho de 2024.

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A União

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