No McDonald’s do Japão, uma reivindicação trabalhista inusitada: não ser obrigado a sorrir

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Em geral, é recomendado que funcionários sorriam em contato direto com os clientes. Mas não no McDonald’s do Japão. Com quase 3 mil restaurantes no país e 100 milhões de visitantes por mês, em meados de 2024, a rede de fast-food decidiu abolir a política do “zero yen smile” — que prometia “sorrisos gratuitos”, como símbolo da cordialidade da marca.

Frente à escassez crescente de mão de obra, não exigir que os atendentes sorriam foi a forma encontrada pela empresa para não só reter sua força de trabalho, como ampliá-la. A estratégia funcionou. Desde a desobrigação dos sorrisos, o número de pessoas dispostas a trabalhar na rede aumentou 115% e foram realizadas cerca de 100 mil novas contratações.

A mudança nas políticas da companhia se fez necessária com a chegada da geração Z ao mercado de trabalho. Uma turma exigente, avessa à falta de autenticidade, para eles, a gentileza forçada não tem nada de acolhedor. Ao contrário.

E, como no Japão, 60% dos empregados do McDonald’s são zoomers, ou a companhia bania o “zero yen smile” de seu código de conduta ou estava arriscada a ter de fechar várias de suas unidades por falta de quem as operasse.

Mas a companhia foi além e resolveu anunciar sua decisão ao país por intermédio de uma grande campanha publicitária. Idealizada pela agência TBWA/Hakuhodo, a peça No Smile foi protagonizada pela cantora Shimizu Ayano, conhecida como Ano, de 26 anos.

Além de ser uma das mais badaladas artistas do J-Pop, famosa por sua expressão facial quase sempre muito séria, ela já foi demitida de um emprego de meio período por causa da falta de sorrisos.

Em apenas três meses, o clipe de três minutos e meio, no qual Ano interpreta uma atendente do McDonald’s e repete “Eu não vou sorrir para você facilmente/Eu quero permanecer fiel a mim mesma”, alcançou 36 milhões de visualizações no YouTube e fez o “índice de amor à marca” subir 130%.

“A empresa foi ousada. Afinal, desobrigar seus funcionários de sorrirem é uma ideia contraintuitiva”, diz Rodrigo Tortima, diretor-executivo de criação da Lew’LaraTBWA, braço brasileiro do conglomerado do qual faz parte também a japonesa TBWA/Hakuhodo. “E divulgar a medida via publicidade foi muito corajoso”, completa ele, em entrevista ao NeoFeed.

Deu muito certo, a campanha virou referência em branding adaptativo e marketing de experiência e o McDonald’s mudou sua política de contratação de “Trabalhe com seu sorriso” para “Trabalhe com seu estilo”.

Cabelos coloridos e barba

Não foi a única vez que a rede de lanchonetes no Japão se viu às voltas com demandas de seus colaboradores. Também em 2024, a companhia passou a aceitar o uso de cabelos coloridos — o que até então era vetado, em especial os tingidos com cores vibrantes, um hábito comum entre os jovens japoneses.

E, antes disso, em agosto de 2021, o McDonald’s Japão passou a permitir que seus empregados deixassem a barba crescer.

“As moças e rapazes da geração Z estão dispostos a entregar resultados, mas não estão dispostos a entregar suas emoções”, diz Tortima. “O Japão é um país rico, onde os salários são bem pagos e os jovens podem escolher o que querem fazer.” O que, segundo ele, seria mais difícil no Brasil: “A juventude brasileira não tem tantas opções como a japonesa”.

A força de trabalho zoomer revela-se ainda mais preciosa em um país com a segunda população mais velha do mundo, atrás apenas de Mônaco. No Japão, as pessoas com 65 anos ou mais já representam 29,3% da população.

Enquanto isso, a taxa de natalidade despenca. No ano passado, foram registrados 729.880 nascimentos, uma redução de 5% em relação a 2023 e o menor número de bebês em 125 anos.

A população japonesa encolhe ano após ano: só em 2024, a queda foi de quase 900 mil pessoas. E, como se não bastasse, o Japão é, dentre as nações desenvolvidas, uma das mais refratárias ao recebimento de imigrantes.

Empresas de um país em crise demográfica, portanto, não podem se dar ao luxo de rejeitar trabalhadores por causa da cor de seus cabelos ou porque eles não querem forçar sorrisos.

Mas os bons resultados alcançados pela campanha No Smile extrapolam as fronteiras japonesas e servem de exemplo para empresas de todos os setores da economia, em todos os cantos do planeta.

Muito se fala da geração Z no futuro do consumo — cujo poder de compra deve chegar a US$ 12 trilhões em 2030. Mas pouco se ouve a respeito do impacto dos zoomers no mercado de trabalho.

Mais numerosos do que os millennials, eles hoje já representam um quarto da mão de obra global. E, em cinco anos, segundo a consultoria McKinsey, devem chegar a 30%.

“Para atrair e reter esses trabalhadores, os empregadores devem entender o que essa geração prioriza no ambiente de trabalho”, lê-se no relatório The Gen Z equation.

Frequentemente chamados também de “geração benchmark”, por refletir o que todos os profissionais desejam, diferente de seus pais e avós, os zoomers têm disposição para exigir que suas demandas sejam atendidas. Se não estão satisfeitos, não titubeiam em pedir as contas.

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Neofeed

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