
As mãos são especulares, mas não se encaixam quando sobrepostas. É assim com os enantiômeros (Imagem de Avelino Calvar Martinez por Pixabay)
Imagine duas moléculas que parecem idênticas, mas que podem funcionar de forma completamente diferente no nosso organismo. Esse é o caso dos enantiômeros, compostos que, como nossas mãos, são imagens especulares entre si, mas não se encaixam perfeitamente quando sobrepostos.
Eles pertencem a uma classe especial de moléculas chamadas quirais, muito comuns na natureza e de extrema importância para áreas como a química, a farmacologia e a agricultura. Por meio de uma parceria com a Universidade de Illinois, o professor Fábio Zazyki Galetto, do departamento de Química da UFSC, desenvolveu uma solução promissora para o dificultoso processo de separação destas moléculas: um novo método baseado em eletroquímica, mais rápido, barato e sustentável em comparação aos atualmente praticados.
“As maiores implicações para o uso de enantiômeros estão na indústria farmacêutica, onde um determinado enantiômero pode ser um fármaco enquanto o outro pode ser tóxico. Daí podemos compreender a importância na diferenciação dos enantiômeros e porque os métodos de separação de enantiômeros são importantes”, resume o professor, cujo artigo com a proposta foi publicado recentemente no Journal of the American Chemical Society (JACS).
O professor explica que, devido à sua semelhança estrutural, os enantiômeros possuem propriedades físicas idênticas, o que inviabiliza a utilização da grande maioria dos métodos tradicionais de separação. Por outro lado, diferentes enantiômeros podem produzir respostas muito diferentes quando expostos a um ambiente quiral, como é o caso do organismo humano, o que torna ainda mais importante este processo.
“Atualmente, a separação de enantiômeros é realizada principalmente por cromatografia quiral”, explica. Segundo ele, embora eficaz, este método introduz uma série de desvantagens ao processo, incluindo alta demanda por recursos e insumos químicos, significativa geração de resíduos, além de ser um procedimento relativamente lento.
Conforme aponta a pesquisa, a utilização de métodos de separação eletroquímicos surge como uma alternativa promissora. “A proposta apresentada neste artigo envolve um método eletroquímico que é muito mais rápido do que a cromatografia porque, diferente deste último, as etapas de equilíbrio necessárias para a separação podem ser alcançadas na ordem de milissegundos, pela aplicação de potencial elétrico ao sistema. Além disso, o método eletroquímico requer uma quantidade muito menor de insumos químicos quando comparado à cromatografia”, pontua.
Os resultados indicam que um excesso enantiomérico superior a 99% seria alcançável em apenas sete estágios teóricos, num processo em cascata. “Uma vez implementada, seria uma alternativa mais simples e barata à atualmente praticada, propiciando maior agilidade e redução de custos ao processo de produção de enantiômeros”, sintetiza, argumentando que, embora em estágio inicial, o estudo resultou no pedido de depósito de uma patente.
A pesquisa traz, ainda, novas oportunidades, particularmente para aplicação de métodos eletroquímicos de separação em meios e compostos orgânicos. “O projeto foi proposto como parte do meu pós-doutorado na University of Illinois, sob orientação do professor Xiao Su. A UFSC esteve envolvida desde a concepção deste projeto, que marcou o início da colaboração entre as duas instituições. Além do artigo e da patente, a colaboração já propiciou a vinda de dois pesquisadores, entre eles os primeiros autores do artigo, para ministrar palestras na UFSC. Também está prevista uma visita do professor Xiao Su à UFSC, que deverá ministrar uma palestra no final do mês de junho”, finaliza.