Siga @radiopiranhas
A sucessão e a otimização tributária estão em pauta entre as famílias de grandes fortunas, com um possível aumento de alíquota de transmissão de renda no Brasil e o fim do diferimento fiscal nos investimentos. Mas em meio a uma onda de más notícias, os patriarcas e matriarcas comemoraram a regulação dos trusts – e a procura por eles disparou.
Os trusts são mecanismos sofisticados de sucessão patrimonial da legislação anglo-saxã, que dispensam inventários para personalizar a transmissão de riquezas. O proprietário do patrimônio define quem serão os beneficiários da sua herança e como eles terão acesso a ela. Podendo, inclusive, adicionar pré-requisitos.
Dessa forma, pode-se garantir que os herdeiros só tenham direito ao patrimônio depois de atingir uma idade ou depois de se graduarem, por exemplo. E mesmo limitar que apenas os rendimentos sejam acessados, não podendo mexer no patrimônio principal. Também é um excelente mecanismo de filantropia, garantindo quantias regulares para doações a entidades.
Não regulados no Brasil, os trusts só podem ser feitos em contas offshore. Mesmo assim, eram raros no País, pois não havia uma lei que tratava da sua tributação (e as incertezas coibiam as estruturas).
“Sempre falamos muito de trust para famílias de alto patrimônio no exterior, em especial com questões específicas na sucessão. Mas poucos faziam a estrutura pela imprevisibilidade de sua tributação. Agora, o interesse e as conversas sobre o assunto cresceram exponencialmente”, afirma Pedro Olmo, sócio responsável pelo patrimônio patrimonial da Sten Gestão Patrimonial.
O trust foi regulado com a lei das offshore de 2023 e recebeu a mesma tributação das offshore comuns. Ou seja, o resultado da trust é tributado em 15% todos os anos fiscais. Incidindo o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) como nas demais estruturas de herança.
“Antes havia o entendimento que os trusts eram tributados em até 27,5% pelo principal ou pelo rendimento. Agora com a equiparação tributária, essa ferramenta entrou na prateleira de opções dos clientes e está hoje em todas as discussões de sucessão”, afirma Yuri Freitas, head de wealth planning no UBS Brasil.
Segundo escritórios de advocacia especializados em sucessão internacional e empresas estruturadoras de trusts ouvidos pelo NeoFeed, a procura por trusts triplicou no ano passado.
“A legislação deu mais conforto para se pensar neste mecanismo e temos sido muito procurados desde o ano passado. Diria que a demanda triplicou, com muito mais estruturas montadas e principalmente mais gente buscando aconselhamento e analisando para tomar uma decisão”, afirma Gabriela Cardoso Abbud, business manager do Brasil, do Cone Marshall Group, uma das maiores estruturadoras de trust do mundo, com escritório em mais de 15 países.
Rodrigo Loureiro, diretor e head do escritório de São Paulo da Harneys Fiduciary, um dos maiores grupos de serviços fiduciários offshore no mundo, explica que antes da legislação, a cada 10 clientes que procuravam a empresa para estruturar uma sucessão offshore, apenas dois preferiam trusts e os outros oito usavam testamentos. Agora, já são de quatro a cinco que buscam o trust.
“Antes da lei, quem procurava o trust era quem tinham um patrimônio muito grande no exterior e casos específicos, como muitos filhos em casamentos diferentes, filhos com problemas de saúde. Agora, vem muitas famílias sem especificações, apenas para não ter que lidar com um inventário”, afirma Loureiro.
Outro empecilho para o uso de trust é o seu custo, que não é barato, dependendo da sua estrutura, personalização e sofisticação. Mas, segundo os especialistas, seria em média de US$ 15 mil por ano. Por isso, é mais recomendado para famílias com mais de US$ 20 milhões de patrimônio no exterior e que realmente tenham uma complexidade de sucessão para resolver.
Dom o aumento da procura e o desenvolvimento desse mercado no País, as empresas estruturadoras estão oferecendo opções mais simples e econômicas, que apenas entregam o patrimônio ao beneficiário em caso de morte, facilitando o instrumento para famílias com patrimônio de cerca de US$ 5 milhões.
“No Brasil, o mercado offshore era apenas para quem tinha um patrimônio bem relevante, mas vem se popularizando. E agora estamos vendo acontecer a mesma coisa com os trusts com uma legislação clara”, afirma Loureiro, da Harneys.
Tanto a Cone Marshall como a Harneys estão apostando no crescimento deste mercado no Brasil, que no mundo soma centenas de bilhões de dólares sob administração. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa estrutura é algo comum entre a classe média alta.
Com o Brasil entrando no radar do mercado global de trusts, mais empresas devem entrar aqui e haver mais investimentos, o que deve ao longo do tempo trazer mais soluções para os clientes e baratear custos.
Receita Federal traz novas incertezas
Nem tudo, no entanto, está esclarecido sobre o ponto de vista tributário das trusts para a sua declaração ao fisco este ano – a primeira desde a nova regulação.
Segundo a legislação dos trusts, quando o trust é revogável (podendo reaver o patrimônio novamente para o instituidor), o responsável pelo pagamento de imposto é o instituidor. Mas quando ele é irrevogável (o instituidor não pode mais ter acesso ao patrimônio), os beneficiários são os responsáveis pelo pagamento. Porém, nem sempre esse beneficiário é definido.
Na semana passada, a Receita Federal respondeu a um dos questionamentos dos contribuintes em forma de solução de consulta, que vincula decisões tributárias em todo país, que gerou preocupação entre os advogados tributaristas.
A Receita Federal afirmou que um potencial beneficiário de trust offshore, mesmo que só possa acessar os recursos em casos de emergência, precisa declarar e tributar rendimentos e ganhos de capital no imposto de renda, seguindo a Lei das Offshore.
No texto, é explicado que a expectativa de direito, em caso de trust irrevogável e discricionário, é suficiente para caracterizar a condição de beneficiário. “Todas as pessoas indicadas, que possuem a expectativa de eventualmente receber uma distribuição do trust, podem ser consideradas beneficiárias”, disse o órgão.
Ou seja, mesmo sem ainda ter direito ao patrimônio, e talvez sem nem mesmo saber que é um beneficiário, seria preciso declarar e pagar impostos sobre o trust. Na visão de muitos advogados especializados, o parecer da receita fere o direito tributário.
“Em nenhum lugar do mundo é assim. Como que vou declarar, se eu nem sei que é meu? Isso fere o direito tributário. Na minha visão, se eles querem mudar a lei deveriam provocar o legislativo, não soltar resoluções que vão contra a lei vigente”, diz Humberto Sanches, sócio do Humberto Sanches e Associados (HSA), escritório de advocacia especializado em planejamento sucessório internacional.
Sanches afirma que mandou a Receita Federal uma proposta de redação para acomodar a resposta a lei e espera um posicionamento. Por enquanto, afirma que quem tiver com os trusts nessas características tem grandes perspectivas de ganho na Justiça.
Hermano Barbosa, sócio de direito tributário do BMA Advogados, explica que a legislação classificou os trusts como offshore transparentes para fins tributários. E se preocupou em não permitir o diferimento fiscal. No entanto, talvez não seja possível em todos os casos.
“Sendo irrevogável, quem deveria declarar é tanto o instituidor como o beneficiário. E isso resolve a maioria dos casos. Mas quando o beneficiário não está determinado, ou ainda não cumpriu requisitos para ser um, ou mesmo nem sabe que é um, há um impasse”, afirma ele.
Na opinião dos especialistas, a Receita Federal resolveu responder a um caso muito particular, que não ajuda a compreensão das incertezas mais comuns, e perdeu a oportunidade de pegar um caso mais representativo para explorar. E gerou mais incertezas sobre o tema, mas em raros tipos de trusts (para os revogáveis, mais de 90% do mercado, nada mudou).
Com isso, apesar de não contribuir com mais clareza na discussão, a resposta da Receita Federal não irá desacelerar o crescimento do mercado de trusts.
Mercado em evolução
A grande procura pelos trusts mostra um mercado em evolução. Com cada vez mais famílias aumentando o seu patrimônio no exterior para diversificação, criam-se também outras complexidades como a de sucessão.
Mas o trust não é uma solução para qualquer cliente, ainda sendo mais recomendado fazer o planejamento com testamento em casos mais simples de sucessão, pelos seus custos e por toda a sua regulação envolvida.
Já para famílias com vários casamentos, filhos com doenças especiais ou morando em diversas jurisdições e mesmo um patrimônio com ativos mais complexos, é uma solução a ser considerada, já que é altamente customizável. Com a grande vantagem de o patrimônio ir imediatamente para os beneficiários, sem a necessidade de inventário – que no caso de recursos em vários países, pode ser muito complexo, custoso e demorado.
“Para quem quer colocar condições para além do seu falecimento e com complexidades na sucessão é uma opção muito interessante por resumir tudo em uma única estrutura. Mas é preciso entender bem seus pros e contras e sua estrutura”, diz Freitas, do UBS Brasil.
Ao optar pelo trust, o detentor do patrimônio (chamado de settlor) faz uma transferência de sua riqueza para um trustee (que pode ser uma pessoa física ou jurídica) que fica responsável por administrar os bens em favor dos beneficiários.
No ato de constituição, o settlor deve explicitar como quer que os bens sejam geridos e como quer que sejam distribuídos. Com isso definido, o trustee tem um mandato discricionário para gerir o patrimônio, podendo contratar um gestor para fazer essa gestão.
Outra figura que pode estar presente é o protector, cuja função é mitigar possíveis divergências que possam surgir entre a gestão do trust e o que foi definido no ato de constituição. Ou seja, assegura que o trustee esteja realmente administrando o patrimônio em prol dos beneficiários.
Com a evolução desse business por aqui, mais empresas especializadas em trusts devem entrar no país, e dar mais opções aos investidores brasileiros. Por outro lado, os bancos e family offices vão precisar se ajustar dentro dessas estruturas.
“Family offices vão ser mais perguntados sobre o tema e precisam dominar essas estruturas e saber aconselhar o melhor caso para o seu cliente. Pois o trust passou a ser uma opção no planejamento patrimonial”, afirma Olmo, da Sten Gestão Patrimonial, family office que prefere não ser o trustee, mas o protector da trust para fazer a gestão do patrimônio.
Por enquanto essa é uma opção apenas para o patrimônio offshore, mas há um projeto de lei para regularizar a estrutura no Brasil, o PL 4.758, de 2020 do deputado Enrico Misasi (PV/SP), que visa a regular o contrato de fidúcia personalizado no direito brasileiro, o que seria a tropicalização do trust.
O texto está em apreciação no Senado Federal. Para os especialistas ouvidos pelo NeoFeed, uma regulação local abriria portas para ter trust locais, que cobrariam em reais e barateariam custos.
Fato é que após a regulação tão esperada dos trusts no mercado offshore e com o maior desenvolvimento deste mercado, fica mais fácil instaurar esse mercado no Brasil.
source
Fonte
Neofeed