PL da Anistia movimenta debates

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O Projeto de Lei (PL) que anistia os envolvidos nos atos de 8 de janeiro desponta como um dos debates mais sensíveis e polarizados do cenário político atual. O PL no 2.858/2022, em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe conceder anistia a todos que participaram de manifestações, no Brasil, desde 30 de outubro de 2022, incluindo divulgadores, participantes, financiadores e organizadores dos atos antidemocráticos.

De autoria do deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), o PL foi apresentado em 24 de novembro de 2022 e prevê “anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional”. O autor justifica a proposta alegando que as manifestações ocorridas após o segundo turno das eleições presidenciais foram legítimas e conduzidas por cidadãos indignados com o processo eleitoral.

Segundo ele, a medida constitui-se, nesse contexto, num gesto de pacificação e de redenção do Parlamento. “Que a aprovação dessa proposta seja, assim, um primeiro passo para que o Congresso Nacional possa retomar seu papel de defensor e protetor do povo brasileiro”, argumenta.

Entre os projetos que visam anistiar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, o PL no 2.858/23 é o que se encontra com tramitação mais avançada na Câmara. Outra proposta relevante é o PL no 5643/23, do deputado Cabo Gilberto (PL), que pretende anistiar “todos que, em razão das manifestações ocorridas em Brasília, na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, tenham sido ou venham a ser acusados ou condenados pelos crimes definidos nos artigos 359-L e 359-M do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal”.

O artigo 359-L trata da tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito com violência ou grave ameaça, cuja pena é de reclusão de quatro a oito anos. Já o artigo 359-M pune com reclusão de quatro a 12 anos a tentativa de depor um governo legitimamente constituído, também mediante violência ou grave ameaça.

Atualmente, o PL da anistia está sob análise do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), que avalia o requerimento de urgência protocolado em 14 de abril pelo líder do PL na Casa, deputado Sóstenes Cavalcanti (RJ).

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, declarou, em entrevista ao jornal O Globo, em 27 de abril, que os atos de 8 de janeiro são “imperdoáveis” e que a legislação existente já prevê os crimes cometidos. Segundo ele, cabe ao Congresso, se julgar necessário, “redimensionar a extensão das penas”.

“O Supremo aplicou a legislação editada pelo Congresso nos julgamentos de 8 de janeiro. A solução para quem acha que as penas foram excessivas é uma mudança na lei. Não acho que seja o caso de anistia, porque anistia significa perdão. E o que aconteceu é imperdoável. Mas redimensionar a extensão das penas, se o Congresso entender por bem, está dentro da sua competência”, afirmou Barroso.

Hugo Motta já sinalizou que uma medida de consenso vem sendo articulada entre Congresso e STF, com vistas à redução das penas para os crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Em entrevista à imprensa paraibana, no dia 5 de maio, o deputado evitou declarar posição, mas afirmou que trabalha para evitar punições que considera “injustas”.

“Eu não estou contra ou a favor da anistia. Estou querendo, enquanto presidente de um poder, conduzir esses temas difíceis com muita serenidade e equilíbrio, que é o que a minha função exige.Essa discussão que nós temos feito é para resolver essa situação, poder fazer uma discussão sobre essas penas e, a partir daí, um projeto que possa promover essa readequação. Fazendo assim com que essas pessoas, tendo essas penas reduzidas, já aliviem — do ponto de vista daquilo que está sendo executado pelo próprio Supremo — o cumprimento dessas penas. Para que, tendo cumprido uma parte da pena, possam ir para casa”, declarou.

Anistia sub judice

Segundo informações do STF, divulgadas por meio do hotsite dedicado à preservação da memória dos atos antidemocráticos, até 28 de março, foram ajuizadas 1.586 ações penais, entre crimes graves e simples. As condenações somam 497, além de oito absolvições. Já os Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) totalizam 542 homologações.

A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), foram instaurados os inquéritos nos 4921, 4922 e 4923, todos distribuídos por prevenção ao ministro Alexandre de Moraes, relator do Inquérito no 4879, que investiga os atos antidemocráticos.

O advogado criminalista e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Uniesp, Eduardo Cavalcanti, afirma que não enxerga excessos por parte do STF na condução dos processos.

“O STF deve garantir aos advogados dos acusados acesso integral a todos os elementos de prova, sob pena de cerceamento do direito de defesa. Além disso, o julgamento virtual sem concordância dos advogados é um ataque às prerrogativas da advocacia. Um processo penal justo pressupõe o respeito irrestrito ao contraditório e à ampla defesa, conforme estabelecido pela Constituição e pela legislação vigente”, destaca.

Para o jurista, o PL no 2858/23 propõe uma “anistia integral” e, se aprovado, provavelmente será considerado inconstitucional pelo STF, pois a Constituição Federal não admite anistia para crimes inafiançáveis e imprescritíveis, como os cometidos por grupos armados contra o Estado Democrático.

“Os que defendem veementemente essa anistia — e esse projeto foi inclusive submetido a regime de urgência — querem, na verdade, anistiar o ex-presidente [Bolsonaro]. Devemos lembrar que esses crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado foram incluídos no Código Penal por uma lei de 2021. Ou seja, essa mudança no Código Penal ocorreu no governo Bolsonaro, e foi aprovada e sancionada por ele”, observa.

A Lei nº 14.197/2021, que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional, incluiu no Código Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito, como o de golpe de Estado (artigo 359-M), que tipifica a tentativa de derrubar, mediante violência ou grave ameaça, um governo legitimamente constituído.

Cavalcanti reconhece que a soma das penas por esses crimes pode parecer desproporcional, mas entende que o STF agiu dentro da legalidade ao condenar por delitos distintos.

“Entendo que esses dois crimes, em conjunto, poderiam ter tido outra interpretação jurídica. Condenar por abolição violenta do Estado Democrático e por golpe de Estado me parece que configura condutas que se confundem. Uma seria o meio para alcançar a outra. Mas não foi esse o entendimento da maioria dos ministros. Eles decidiram condenar por crimes distintos, e isso aumentou as penas. Então, sob esse ponto de vista, foi desproporcional. Mas, quanto aos trâmites, as defesas estão atuando conforme seu papel: buscando absolvições ou penas menores”, analisa.

Posicionamentos ideológicos e partidários

Na Paraíba, a bancada federal tem evitado posicionar-se publicamente sobre a proposta. Apenas três deputados assinaram o pedido de urgência para tramitação do PL no 2.858/23: Cabo Gilberto e Wellington Roberto (ambos do PL) e Mersinho Lucena (PP). Este último justificou sua assinatura afirmando que a pauta precisa ser debatida no Congresso e que, em casos menos graves, as penas devem ser “compatíveis com os atos”.

De acordo com declarações públicas, os deputados Luiz Couto (PT) e Gervásio Maia (PSB) são contrários a qualquer possibilidade de anistia aos envolvidos. Apenas Cabo Gilberto (PL) apoia integralmente o projeto. Os demais parlamentares mantêm-se neutros.

Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) José Marciano Monteiro, o posicionamento dos parlamentares em relação à anistia é majoritariamente ideológico. Segundo ele, a bancada paraibana, assim como as de outros estados, acaba seguindo a orientação partidária.

“Para os parlamentares alinhados ao bolsonarismo ou ao Governo Federal, isso é mais evidente. Já para os deputados do Centrão, os posicionamentos devem ser anunciados conforme o momento político. Se o cenário for mais favorável ao alinhamento com o Governo Federal e com o PT, não tenho dúvidas de que parlamentares ligados ao Centrão tenderão a se aliar a esse bloco — ou, ao menos, manterem-se neutros para não perder votos. No momento, tanto na Paraíba quanto nacionalmente, a discussão ainda se insere na correlação de forças entre os que estão com Lula e os que permanecem com o bolsonarismo”, conclui.

Por meio do link, acesse o site Democracia Inabalada do STF 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 11 de maio de 2025.

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A União

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