Em Cannes, um “festival” longe dos flashes e sem o glamour do tapete vermelho

CANNES — Todos os anos, as negociações milionárias do Festival de Cannes são realizadas longe do flash dos fotógrafos, mais interessados em registrar o glamour do tapete vermelho. É o subsolo do lendário Palais des Festivals que abriga o braço business do evento francês, o chamado Marché du Film, a maior feira de filmes do mundo, na qual é esperada uma movimentação de 500 milhões de euros a 1 bilhão de euros este ano.

A estimativa inclui os negócios fechados e também os iniciados durante a maratona de filmes de 12 dias, a ser inaugurada na noite de terça, 13 de maio, às margens do Mediterrâneo. Na manhã seguinte à abertura de Cannes, que chega à 78ª edição, mais de 15 mil profissionais do setor, vindos de 140 países, iniciam a correria no Marché.

O Brasil, candidato à Palma de Ouro com O Agente Secreto, dirigido por Kléber Mendonça Filho e protagonizado por Wagner Moura, foi escolhido como o País de Honra do mercado este ano. A homenagem garante uma programação especial, com eventos e apresentações, para destacar o potencial do cinema brasileiro junto aos participantes da feira, geralmente produtores, compradores, vendedores, distribuidores, programadores de festivais e representantes de instituições.

A escolha do Brasil se justifica, em parte, pela conquista inédita do Oscar de melhor filme internacional com Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, em março deste ano. Outro fator é a Saison Brésil-France 2025, com uma temporada de intercâmbio cultural para celebrar o 200º aniversário das relações diplomáticas entre as duas nações.

Embora seja ofuscada pelo desfile de astros e estrelas no tapete vermelho, montado na escadaria do Grand Théâtre Lumière, a feira ajuda a manter a posição de liderança de Cannes, o maior evento do gênero no globo, por equilibrar arte e indústria. O festival celebra, sim, os filmes independentes, sobretudo na competição, mas suas atividades no Marché impulsionam o lado comercial.

São cerca de 300 expositores dentro do palácio e mais 300 empresas do lado de fora. Aqueles que não conseguem estandes nas instalações oficiais da feira montam seus escritórios nas redondezas. A maioria procura permanecer no boulevard de la Croisette, seja nas suítes dos principais hotéis do balneário (como o Carlton, o Barrière Le Majestic, o Martinez e o JW Marriot), em apartamentos alugados e mesmo em conveses de iates de luxo.

Atrás do palácio, fica o Village International, onde mais de 60 países marcam presença, representando instituições, fundações ou agências nacionais de cinema. Com tendas instaladas nas areias da praia, cada país faz o que pode para chamar a atenção, o que inclui eventos, coquetéis e distribuição de brindes.

O American Pavilion, representando os Estados Unidos, está sempre entre os mais concorridos — até porque muitos dos atores e diretores de sua delegação em Cannes prestigiam o espaço.

Mais de 1,5 mil projeções de filmes estão previstas nesta edição do mercado, que conta com mais de 4 mil títulos (entre obras concluídas e projetos). Como sempre, estão à venda não apenas os títulos que integram a seleção oficial de Cannes, geralmente os títulos de arte, como produções comerciais da mais recente safra mundial.

O interesse pelos títulos selecionados pelo evento depende, na maioria das vezes, da reação da crítica especializada. Quando a produção recebe muitos elogios dos jornalistas, o seu agente de vendas internacional costuma subir o valor na hora da negociação com os compradores.

Além da compra e venda de filmes, o mercado é um espaço de encontro para a apresentação de novas tecnologias e novidades do setor e também para a prospecção de outros negócios. São sessões de pitching de projetos em busca de financiamento e de parceiros ou de lançamentos de iniciativas para facilitar as coproduções entre países.

Nesta edição do Marché, por exemplo, o Brasil vai lançar a São Paulo Film Commission, entidade criada para promover o que o estado paulista oferece em termos de infraestrutura e mão de obra de cinema, além de facilitar a realização de obras audiovisuais (nacionais e estrangeiras) na região.

“Esperamos que São Paulo se torne uma alternativa concreta para produções estrangeiras que buscam diversidade de paisagens, incentivos e agilidade operacional”, diz ao NeoFeed Marilia Marton, Secretária da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, presença confirmada em Cannes.

Ela dá como exemplo a Film Commission da cidade de São Paulo, que atendeu mais de 1,1 mil produções em 2024. “Com a expansão para a esfera estadual, temos potencial para atrair produções de grande porte, especialmente da Europa e América do Norte, impulsionando a imagem do Brasil como destino competitivo e confiável para o audiovisual”, completa a secretária.

Com o Brasil como País de Honra no Marché, há a expectativa de mais negócios para as empresas nacionais que participam da feira. Nesta edição, cerca de 60 companhias têm apoio do Cinema do Brasil, o programa de promoção e internacionalização do cinema nacional, criado pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP), em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).

No ano passado, o Cinema do Brasil registrou 1.099 reuniões com representantes de 53 países, o que gerou US$ 11,5 milhões em negócios (com o valor subindo para US$ 61,9 milhões na projeção de resultados alcançados em um ano após as ações promocionais na França).

“Há perspectivas ainda maiores para o Brasil em Cannes este ano. Apostamos na conscientização, para aumentar o interesse pelo cinema brasileiro, e na conversão, para que a promoção resulte em negociações, seja para coprodução, venda de filmes ou para convites para outros festivais internacionais”, afirma André Sturm, presidente do Cinema do Brasil, ao NeoFeed. “Com tudo se alinhando a favor do nosso cinema, estamos no inverso de uma tempestade perfeita.”