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Em uma decisão considerada inédita, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou nesta terça-feira (6) a retificação de registro civil para excluir qualquer indicação de gênero, permitindo que uma pessoa seja oficialmente reconhecida com identidade de gênero neutra. A medida abre um novo precedente jurídico em matéria de direito civil e identidade pessoal.
A decisão envolveu o caso de uma pessoa que, após tratamento hormonal e cirurgias, optou por não se identificar como homem nem como mulher. Em vez de adotar o gênero oposto ao designado no nascimento, solicitou judicialmente a exclusão total dessa marcação nos documentos oficiais — o que foi acolhido por unanimidade pelos ministros da Turma.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, defendeu o pedido com base na proteção da dignidade da pessoa humana e no direito à identidade, destacando o sofrimento do requerente diante da inadequação dos modelos binários tradicionais.
“Não estava bem no primeiro sexo, nem no segundo. Concluiu que também não era aquilo que emocionalmente sentia no coração”, afirmou a ministra.
Novo paradigma jurídico
O voto de Andrighi foi seguido pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Humberto Martins, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira. Em sua manifestação, a ministra Daniela Teixeira ressaltou que o Judiciário tem o dever de proteger a saúde mental, a integridade física e o direito à autoidentificação de pessoas trans e não binárias.
“Resguardar a vida, a saúde mental e, acima de tudo, o direito de ser quem é”, declarou.
A decisão se apoia em princípios constitucionais já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como o direito à felicidade, à intimidade e à dignidade da pessoa humana. No entanto, ela também levanta discussões jurídicas mais amplas sobre os limites da legislação civil atual, que ainda está ancorada no modelo binário de sexo e gênero.
Embora celebrada por movimentos sociais ligados à diversidade de gênero, a decisão do STJ não altera automaticamente os procedimentos administrativos nos cartórios, que seguirão dependendo de autorização judicial em cada caso — ao menos até que haja regulamentação legislativa específica.
A medida, no entanto, poderá gerar pressões sobre o Legislativo para que a legislação brasileira reconheça formalmente categorias além de “masculino” e “feminino” nos documentos oficiais. Também poderá provocar questionamentos sobre os impactos legais em áreas como previdência, saúde, estatísticas públicas e políticas direcionadas por gênero.
A decisão do STJ não cria uma nova categoria de gênero nos documentos civis, mas permite a omissão do campo para quem assim desejar e comprovar judicialmente a necessidade com base em sofrimento psíquico, histórico de tratamento e construção identitária.
O precedente estabelecido pelo STJ aponta para uma flexibilização do conceito jurídico de identidade civil, que passa a se moldar à percepção individual e à diversidade de experiências humanas, rompendo com a lógica binária imposta desde o nascimento.
Ainda que polêmica para setores mais conservadores da sociedade, a decisão representa, segundo os ministros, um passo necessário de adaptação do sistema jurídico à realidade social contemporânea.

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Fonte : Hora Brasilia