Equipe com pesquisadores da UFSC descobre novas categorias de estrelas

Estrelas “ocultas”, incluindo um novo tipo de gigante ancestral apelidadas de “velhas fumantes”, foram avistadas pela primeira vez por astrônomos. Os objetos misteriosos existem no coração da nossa galáxia, a Via Láctea, e podem permanecer em espera durante décadas – desaparecendo quase até à invisibilidade – antes de subitamente expelirem nuvens de fumaça, de acordo com um novo estudo publicado na revista mensal da Royal Astronomical Society.

Uma equipe internacional de cientistas fez a sua descoberta inovadora depois de monitorar quase mil milhões de estrelas em luz infravermelha durante uma pesquisa de dez anos do céu noturno. Também foram detectadas dezenas de estrelas recém-nascidas raramente vistas, conhecidas como protoestrelas, que sofrem explosões extremas durante um período de meses, anos ou décadas, como parte da formação de um novo sistema solar.

Descoberta: A imagem principal é a impressão artística de uma nuvem de gás e poeira sendo expelida por um novo tipo de estrela gigante vermelha apelidada de “velha fumante”. Foi avistada juntamente com dezenas das chamadas protoestrelas “recém-nascidas berronas” (detalhe) no coração da Via Láctea por uma equipe internacional de astrônomos. Crédito: Philip Lucas/Universidade de Hertfordshire. Tipo de licença: Atribuição (CC BY 4.0)

A maioria destas estrelas recém-descobertas estão escondidas da vista na luz visível por grandes quantidades de poeira e gás na Via Láctea – mas a luz infravermelha consegue passar, permitindo aos cientistas vê-las pela primeira vez. Liderados pelo professor Philip Lucas, da Universidade de Hertfordshire, astrônomos do Reino Unido, Chile, Coreia do Sul, Brasil, Alemanha e Itália, incluindo o professor do departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Roberto Saito, realizaram suas pesquisas com a ajuda do Visible and Infrared Survey Telescope (VISTA) –construído no alto dos Andes chilenos, no Observatório Cerro Paranal, que é parte do Observatório Europeu do Sul (ESO).

A equipe manteve um olhar atento a centenas de milhões de estrelas e analisou 222 que apresentavam as maiores mudanças no brilho. “Cerca de dois terços das estrelas eram fáceis de classificar como eventos bem compreendidos de vários tipos. O resto foi um pouco mais difícil, por isso utilizámos o Very Large Telescope do ESO para obter espectros de muitos deles individualmente. Um espectro mostra-nos quanta luz podemos ver numa variedade de comprimentos de onda diferentes, dando-nos uma ideia muito mais clara do que estamos olhando “, diz o professor Lucas.

O trabalho foi realizado como parte de uma pesquisa de longo prazo chamada ‘Variáveis VISTA na Via Láctea’, ou VVV. Ex-integrante da Universidade de Hertfordshire e agora baseado na Universidade de Valparaíso, no Chile, Zhen Guo liderou o trabalho nos espectros. “Nosso principal objetivo era encontrar estrelas recém-nascidas raramente vistas, também chamadas de protoestrelas, enquanto elas estão passando por uma grande explosão que pode durar meses, anos ou até décadas. Essas explosões acontecem no disco de matéria que gira lentamente e que está formando um novo sistema solar. Elas ajudam a estrela recém-nascida no meio a crescer, mas dificultam a formação de planetas. Ainda não entendemos por que os discos ficam instáveis desta forma”, afirma Guo.

A equipe descobriu 32 protoestrelas em erupção cujo brilho aumentou pelo menos 40 vezes e, em alguns casos, mais de 300 vezes. A maioria das erupções ainda está em curso, permitindo aos astrônomos, pela primeira vez, analisar um grande lote destes eventos misteriosos ao longo da sua evolução – desde o estado inicial de repouso, passando pelo pico de brilho, até a fase de declínio.

Enterrada nas profundezas da nuvem escura de gás e poeira que preenche a imagem, esta estrela brilhou gradualmente 40 vezes ao longo de dois anos e permanece brilhante desde 2015. A causa de tais eventos não é claramente compreendida. Esta imagem infravermelha mostra o que veríamos se nossos olhos fossem sensíveis a comprimentos de onda três vezes maiores que a luz visível.

No entanto, o estudo também revelou algo completamente inesperado. Havia 21 estrelas vermelhas perto do centro da Via Láctea que mostraram mudanças ambíguas no brilho durante a pesquisa de dez anos. “Não tínhamos certeza se essas 21 estrelas eram protoestrelas iniciando uma erupção, recém-nascidas ‘berronas’, ou se recuperando de uma queda no brilho causada por um disco ou camada de poeira na frente da estrela. Uma terceira opção era que fossem estrelas gigantes mais velhas que libertavam matéria nas fases finais da sua vida, expelindo gases como velhas fumantes”, explica Lucas.

A análise dos espectros de sete destas estrelas, em comparação com dados de pesquisas anteriores, concluiu que eram na verdade um novo tipo de estrela gigante vermelha. De acordo com o professor Dante Minniti da Universidade Andrés Bello, Chile, fundador do estudo VVV e pesquisador visitante na UFSC até fevereiro, “estas estrelas idosas permanecem em espera durante anos ou décadas e depois expelem nuvens de fumaça de uma forma totalmente inesperada. Elas parecem muito escuras e vermelhas por vários anos, a tal ponto que às vezes nem conseguimos vê-las.”

Uma pista adicional sobre esta nova descoberta reside na localização destas estrelas gigantes em declínio. Elas estão fortemente concentradas na parte mais interna da Via Láctea, conhecida como Disco Nuclear, uma região onde as estrelas tendem a ser mais ricas em elementos pesados do que em qualquer outro lugar. Isto deve tornar mais fácil a condensação de partículas de poeira a partir do gás nas camadas externas relativamente frias das estrelas gigantes vermelhas. No entanto, como isso leva à ejeção das nuvens de fumaça densa que a equipe observou permanece um mistério.

Imagens infravermelhas de uma estrela gigante vermelha a cerca de 30.000 anos-luz de distância, perto do centro da nossa galáxia, a Via Láctea, que desapareceu e reapareceu ao longo de vários anos.

Os pesquisadores disseram que suas descobertas podem mudar o que sabemos sobre a forma como os elementos são distribuídos no espaço, como explica o professor Lucas: “A matéria ejetada de estrelas antigas desempenha um papel fundamental no ciclo de vida dos elementos, ajudando a formar a próxima geração de estrelas e planetas. Pensava-se que isto ocorria principalmente num tipo de estrela bem estudado chamado variável Mira. No entanto, a descoberta de um novo tipo de estrela que liberta matéria pode ter um significado mais amplo para a propagação de elementos pesados no Disco Nuclear e em regiões ricas em metais de outras galáxias.”

De acordo com professor da UFSC Roberto Saito “é sempre fascinante se deparar com o desconhecido e tentar entender o que está sendo observado. Estes resultados demonstram que ainda há muito a ser descoberto em nosso lar no Universo, a Via Láctea”. Em outubro passado, a equipe do projeto esteve reunida no “The VVVX Survey: Exploitation and Future Infrared Synoptic Science” em Castel Gandolfo, Itália, apresentando os resultados e discutindo o legado e o futuro dos achados. O projeto complementar do VVV, chamado de VVVX (VVV eXtended) encerrou as observações em 2023, com o monitoramento de quase 2 bilhões de fontes, metade destas ainda não analisadas.” É um trabalho de data mining que certamente levará a mais descobertas interessantes”, prevê Saito.

Texto e imagens: Royal Astronomical Society.

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