André Bonomini: Por respeito à TV Coligadas

Vou fazer algo que não gosto, até porque soa deselegante e antiético apontar o dedo para o trabalho dos colegas. Mas chega a um ponto em que ignorar detalhes da história ou não fazer algo por ela soa desrespeitoso demais para ser ignorado. E quando falamos do histórico pioneiro de Blumenau na comunicação, não dá para ignorar tais passagens.

Nestes últimos dias, um dos papos mais levados a discursão dos saudosos tratava-se da efeméride dos 60 anos da TV Globo. A casa dos Marinho que criou modismos, mudou as regras do jogo e construiu uma imagem dúbia no ponto de vista dos “amores e ódios” sociais, além de deixar impressa em muitas passagens lembranças, personagens, momentos e modismos, termos e comportamentos criados a partir da massificação televisiva de outrora.

Aqui, ninguém está afim de saber de assiste a Globo ou não, se odeia ela com todas as forças e, muito menos, discutir méritos, boicotes e politica. Cabe a este escriba – como sempre o faz – avaliar elementos da história passados, sobretudo as escritas por Blumenau, e se falamos na capital da cerveja já chamada de “cidade-jardim” naqueles idos, vamos falar da pioneira da TV no estado cuja porta principal da casa dos Marinho estava no simpático nº32 da Getúlio Vargas: TV Coligadas, Canal 3.

A fantástica novela “O Rebu” em destaque no informativo da TV Coligadas, em 1974 (Arquivo Histórico / SMC)

Pelo começo: lá pelos idos de março de 2017, comecei junto da direção da querida Soila Freese uma remontada quase impossível para qualquer pesquisador da história nesta cidade. Sem filmes de arquivo, sem vídeos de quadruplex, apenas contando com dois elementos possíveis: depoimentos e fotos do que foi a epopeia da Coligadas num tempo onde fazer televisão ainda era mato em muito rincão deste propalado “Brasil grande”.

Era uma época onde o meio de comunicação era grifado nos documentos governamentais como elemento-chave da integração nacional. E fora isso, já passava da época de um estado como Santa Catarina, de fato, se ver e se descobrir em som e imagem. Foi assim que a cidade saiu da iniciativa de uma fábrica de cerveja para se voltar a televisão, e conquistar a concessão foi uma barbada dada a força empresarial em peso naqueles meados de 1968 a 1969.

Para quem já tinha largado a frente no estado em matéria de radiodifusão, ser a primeira cidade a explorar a televisão parecia fichinha, mas não foi tanto assim. Tudo era mato, usando o termo ao pé-da-letra o que os técnicos encontraram ao subir o Morro do Cachorro pela vez primeira para subir a antena da emissora. O resto resume-se ao velho misto de criatividade, curiosidade e dedicação que fez a hora, contando, inclusive com aquele golpe do destino que muda a trajetória de muita gente.

Capa de prospect comercial da TV Coligadas, achada no Arquivo Histórico, assim como raros informativos, algumas fotos e publicidades de jornal (Arquivo Histórico / SMC)
Um dos grandes encontros das gravações: com Flávio Coelho e a memória da mudança de rota da Coligadas, ainda no aeroporto. Registro para a história e a Globo chegava, assim, a SC (Arquivo Pessoal)

Não entrando muito a dentro da história (pois o próprio a conta no documentário), o saudoso Flávio Coelho contava orgulhoso de um encontro casual no Rio de Janeiro que praticamente tirou a Coligadas da filiação da TV Tupi e a colocou na mira da ainda pueril TV Globo, em processo de formação de rede. Uma manobra que parecia sandice na cabeça dos antigos, mas um acerto tremendo pelo que se veria nos anos seguintes.

Toda esta memoria só foi possível ser resgatada vindo da boca de cada um que deu seu depoimento, contou o que viu e viveu. Era nisso que se apoiamos, lá em 2017, para recontar uma trajetória cujos arquivos colhidos foram literalmente garimpados em coleções pessoais e nos armarios do Arquivo Histórico, sob os olhares da Profa. Sueli Petry, que confesso aos amigos, uma habitual frequentadora dos auditórios da emissora nos áureos tempos.

Foram alguns dias, horas e paciência acumulada nas filmagens dentro do estudio da Cuka Filmes, lidando com todas as formas de contar a história de cada um de seus realizadores. Estes depoimentos brutos, guardados com carinho nos meus arquivos, são ouro puro para quem verdadeiramente pesquisa a história da comunicação, procura a remontar com o cacos que sobraram e dando luz aos realizadores, ao que eles tem a contar e registrar à posteridade.

Edemir de Souza: a morte não esperou que a história do homem do “Salve a Banda” fosse recontada (Arquivo Pessoal / Antigamente em Blumenau)
Valmira Siemann (a direita): a desdenhosa negativa sem motivo impediu que mais gente recordasse e conhecesse sobre o audacioso “Mulheres em Vanguarda” (Arquivo Pessoal / Antigamente em Blumenau)

Revézes? Posso dizer que apenas dois e, um deles, dolorido. Tinha conversado animadamente com Edemir de Souza meses antes, contando das ideias para o documentário. O velhinho referencial eterno das bandinhas do Vale era peça-chave, um dos mais lembrados entre os entrevistados graças ao animado “Salve a Banda”. No entanto, a morte não esperou que Edemir falasse e ele partiu antes mesmo que pudesse matar minha curiosidade diante dele.

Outro? Valmira Siemann. Não sou de ser ácido, mas guardo uma mágoa enorme da forma como fui tratado ao apresentar a ela a proposta do documentário. A principal cara do “Mulheres em Vanguarda” negou-se a falar, disse “não querer mais falar sobre” e, como Edemir, teve a ausência questionada. Anos depois, diante das câmeras de TV, não perdeu tempo em aparecer cheia de pompa e circunstância. E quando me perguntam ainda hoje sobre a ausência dela, não escondo o que minha memória lembra bem, entre desdém e desprezo recebidos da própria.

Meses de produção, encaixes, a gratidão imensa à Soila por ter topado essa loucura (que deixou até dias difíceis à nós, hoje motivo de aprendizado e reverencia) e nasceu o documento. Uma linha de contação de história que teve como base as memórias contadas por primeiro no compêndio de Zair Anibal de Souza, o grande Zico, o primeiro a colocar em material uma fatia desta trajetória que, mesmo durando menos de uma década, marcou e deixou impressa o nome, os responsáveis e os momentos vividos.

A pré-estreia para os acadêmicos de Jornalismo da FURB de 2017, sob os sorrisos das professoras Rosemeri Laurindo e Alessandra Meinecke. Alguns deles, atuam na imprensa ainda hoje (Arquivo Pessoal)
A noite de apresentação no Espaço Cultivarte, da Unisociesc: a quem interessasse, a redescoberta da aventura pioneira (Arquivo Pessoal)
(Arquivo Pessoal)

A noite na Unisociesc foi triunfal, ao menos para jornalistas e curiosos que acreditaram nesta loucura de remontar uma história a partir de um livro e de vários cacos perdidos. Mapas de sucursais, material comercial, fotos, escritos, publicidade de jornal e, claro, a fala de cada rosto que aceitou a mesma ideia e colocou sua memória lá. E sim, era a Coligadas, a TV de Blumenau que repetia em todo o estado, que foi a porta de entrada primeira da Globo por aqui.

Por isso, é difícil engolir a remontada história que a NSC faz sempre ao mencionar a TV Coligadas. Não me furto em mencionar cada letra da atual receptora da Globo no estado, seja a atual moradora do 32 da Getúlio Vargas ou uma das habitantes mais antigas entre as antenas do Morro da Cruz, na capital. O que não dá pra acreditar é na velha visão de que a televisão no estado começou com a expressão receptiva do saudoso Maurício Sirotsky num dia de novembro de 1979.

Ali não é o ponto inicial, e apoiar-se na falta de material para recontar a justa aventura pioneira da TV Coligadas é preguiça de pesquisador. Tanto eu como Zico e os então acadêmicos de Jornalismo da FURB naqueles idos, sob orientação da professora e grande jornalista Magali Moser, deixaram à todos que interessar possa um rico conteúdo que reconta, nos detalhes possíveis, a aventura que foi colocar de pé uma emissora de televisão em tempos que o rádio era rei e que o estado mal sabia que Florianópolis era a capital.

Integrar o estado pela imagem: a TV Coligadas fez primeiro (Arquivo Histórico / SMC)
(Arquivo Histórico / SMC)
(Arquivo Histórico / SMC)
(Arquivo Histórico / SMC)

Tem-se pouco, fruto de um descaso histórico e flagrante com o passar dos anos, bem como a falta de iniciativa de alguns que tem em posse material deste período e não fazem acontecer a revelação do mesmo. Nesta ciranda, fica fácil resumir uma história de quase uma década de trabalho a matérias curtas e meramente protocolares, respiros curtos de trabalho e ignorância flagrante do passado, e mais dolorido quando tem, a custa de tempo e pesquisa de outros, material que conta bem mais que um VT de um minuto ou mais.

Se houve uma primeira afiliada da Globo no estado, ela atendeu pelo nome de TV Coligadas, e a memória dos que a fizeram acontecer e os momentos registrados e vividos por ela merecem respeito, consideração, trabalho justo e reconhecimento. Santa Catarina num todo pode acreditar na fábula das três letras vindas do RS, mas aqui no Vale, ao menos, a primeira imagem sempre terá a marca da “menina dos olhos”.

Qualquer coisa, estou a disposição, tanto eu como aqueles que ainda garimpam a história nesta cidade. Respeito com a história de Blumenau, respeito com a TV Coligadas.

E temos dito (e dê o play abaixo e conheça, se não conhece, o canal 3).

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