Guardião da resistência na Paraíba

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A poucos metros da Praia do Cabo Branco, em João Pessoa, funciona um dos espaços mais emblemáticos dedicados à preservação da memória política brasileira: o Memorial da Democracia, instalado na Fundação Casa de José Américo. Inaugurado em 2022, o espaço oferece ao público uma experiência imersiva na trajetória das lutas democráticas no país, com foco especial na resistência à Ditadura Militar e no processo de redemocratização.

Instituído pelo Decreto Estadual nº 33.426, de 31 de outubro de 2012, o memorial tem como objetivo valorizar, preservar e divulgar a história e as memórias relacionadas ao período ditatorial na Paraíba, incluindo os momentos do pré-golpe civil-militar e a transição democrática.

Criado para abrigar o acervo reunido durante as investigações da Comissão Estadual da Verdade, o espaço guarda documentos relativos aos regimes de exceção ocorridos de 1946 a 1988. Também é responsável pela conservação dos arquivos da extinta Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), órgão que atuava na vigilância, repressão e tortura de opositores da Ditadura Militar no Brasil.

Pesquisa

Para a coordenadora Fernanda Rocha, o memorial destaca-se como um espaço de resistência e de busca pela verdade, contribuindo para a educação política e a preservação da memória. “É uma oportunidade de reafirmar o nosso compromisso como um lugar de educação, onde também se produz conhecimento. E esse conhecimento precisa ser democratizado”, afirma.

Acervo digital

Além da preservação da memória política, o memorial tem investido na digitalização de seu acervo, que, em breve, estará disponível ao público por meio de uma plataforma on-line. A proposta é ampliar o acesso a documentos, imagens, vídeos e materiais raros, permitindo que estudantes, professores, pesquisadores e interessados possam consultá-los diretamente pela internet.

O site oficial do Memorial da Democracia, ainda em desenvolvimento, reunirá esse acervo digital, além de exposições virtuais, conteúdos didáticos e linhas do tempo com os principais marcos da história democrática brasileira.

Enquanto a versão digital não é lançada, o memorial segue ativo com exposições presenciais, como a mostra atual dedicada ao período da Ditadura Militar (1964–1985). A exposição apresenta documentos históricos, fotografias, depoimentos e recursos multimídia que contextualizam os anos de repressão, censura e resistência, oferecendo um panorama acessível e impactante desse capítulo da história nacional.

Tecnologia e memória

O visitante encontra no local recursos interativos, como totens digitais, vídeos documentais, linhas do tempo, depoimentos de ex-presos políticos e fotografias raras. Entre os temas abordados, estão o Golpe de 1964, os anos de chumbo, a anistia, o movimento Diretas Já e a promulgação da Constituição de 1988.

“É uma forma de tornar a história mais viva e acessível, principalmente para os jovens que não viveram esse período”, avalia a professora de História Márcia Lima, que levou seus alunos do Ensino Médio para uma visita orientada. “Eles saem daqui impactados, mais conscientes da importância da democracia”.

Educação e cidadania

A exposição permanente sobre a Ditadura Militar reúne fotografias, documentos, vídeos e objetos que ajudam a contextualizar esse período sombrio da história brasileira. A mostra busca não apenas informar, mas também emocionar e estimular o pensamento crítico. Além das exposições, o espaço realiza atividades educativas como visitas guiadas, oficinas temáticas, rodas de conversa, seminários e projetos com escolas e universidades. Essas ações são voltadas especialmente para estudantes da Educação Básica, universitários e pesquisadores.

“Queremos que esse acervo ajude a formar uma consciência crítica nas novas gerações”, reforça Fernanda Rocha.

Histórias na Paraíba

O acervo do memorial reúne histórias impactantes do período ditatorial no estado. Entre elas, destaca-se a dos camponeses Pedro Inácio de Araújo, o Pedro Fazendeiro, e João Alfredo Dias, conhecido como Nego Fubá. Militantes da Liga Camponesa de Sapé, foram presos em 1964 por militares do 15º Regimento de Infantaria. Após desaparecerem, seus corpos foram encontrados carbonizados nos arredores de Campina Grande. O caso tornou-se símbolo da violência do Estado contra os movimentos sociais.

Outra história marcante é a do estudante João Roberto Borges de Souza, vice-presidente da União Estadual dos Estudantes e aluno de Medicina da UFPB. Preso em 1969, ele foi encontrado morto dias depois, com sinais de tortura, apesar da versão oficial indicar afogamento. Seu nome é lembrado como exemplo da repressão aos movimentos estudantis.

Depoimentos de ex-presos políticos também integram o acervo. São relatos de perseguição, tortura e resistência, reunidos a partir das audiências públicas promovidas pela Comissão Estadual da Verdade. Esses testemunhos ajudam a reconstruir a memória do período e a conscientizar as gerações futuras sobre a importância da democracia.

O olhar de quem viveu

Em uma das salas, o visitante pode ouvir o depoimento de Maria das Dores Ribeiro, ex-presa política, que relembra os dias sombrios do regime. “Aqui, eu me vejo, me reconheço e me sinto respeitada pela primeira vez, em muitos anos”.

Uma viagem política

Em várias regiões do país, iniciativas semelhantes buscam resgatar e refletir sobre os períodos autoritários vividos pelo Brasil. O conceito de Memorial da Democracia — presente em São Paulo (mantido pelo Instituto Lula), Pernambuco, Rio Grande do Sul e, mais recentemente, na Paraíba — representa um esforço coletivo de manter viva a história das lutas por liberdade, justiça e cidadania.

Embora com formatos e enfoques variados, esses memoriais compartilham a missão de preservar as marcas da resistência e democratizar o acesso ao conhecimento histórico. Juntos, formam uma rede de lembranças que, entre o regional e o nacional, constrói um mosaico da história recente do país — revelando os horrores da repressão e, sobretudo, a coragem dos que resistiram.

Na Paraíba, o Memorial da Democracia é um dos exemplos mais simbólicos dessa articulação nacional.

Visitação

A entrada é gratuita. O espaço funciona de terça a domingo, das 9h às 17h. Grupos escolares devem agendar previamente. A Fundação Casa de José Américo está localizada na Av. Cabo Branco, no 3336 — João Pessoa (PB).

Para quem deseja compreender melhor o passado para entender o presente, o Memorial da Democracia é um convite à reflexão sobre os valores que sustentam a liberdade e os direitos civis.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28  de abril de 2025.

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Fonte

A União

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