Artigo: ARQUIVO TWITTER BRASIL Parte 3 – A Esquerda Também Foi Atingida.

Foto - Eli Vieira Jr

Por David Ágape

Em minha fala durante a audiência no Senado Federal, no último 11 de abril, destaquei que a luta por liberdade de expressão e pela privacidade dos cidadãos não é de esquerda ou direita, pois afeta a todos. Agora eu, Eli Vieira Jr e Shellenberger divulgamos nesta nova edição do #TwitterFilesBrazil que brasileiros de diversos espectros políticos, incluindo políticos de esquerda, foram alvo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Polícia Federal para coleta de dados e censura no Twitter. Ao contrário do que alguns alegaram falsamente, Twitter Files Brasil não teve participação de Elon Musk. Shellenberger já tinha o arquivo completo desde o final de 2022, entregue a ele e outros jornalistas independentes por Musk e na época com interesse apenas no contexto americano. O dono do X soube dos Twitter Files Brasil como todas as pessoas exceto nós três: pelas nossas publicações nesta rede social. Agradecemos a

Elon Musk pela atenção que ele deu às nossas publicações e pela transparência ao abrir os arquivos em 2022. Embora a direita tenha sido o grande alvo de censura e perseguição, conforme podemos observar nos Twitter Files e no documento disponibilizado pela Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos na última semana, a esquerda também foi afetada por ordens ilegais do TSE. Eis um resumo de todos os casos: I- O TSE ordenou que dados dos usuários que tuitaram hashtags contra e a favor do voto impresso fossem entregues pelo Twitter. Parlamentares podem ter sido afetados;II- O TSE ordenou o bloqueio das redes sociais do

O PCO, um partido político de esquerda, por causa de críticas à corte e ao processo eleitoral. O Partido permaneceu bloqueado por todo o período eleitoral de 2022;III- Perfis de esquerda no Twitter foram bloqueados a pedido do TSE por causa de publicações em outras plataformas.

O caso das hashtags

O caso mais grave é o da caça a usuários que tuitaram certas hashtags entre 2021 e 2022. O TSE suspeitava que hashtags referentes a campanhas no Twitter sobre uma proposta legislativa de voto impresso estavam sendo usadas em discussões que poderiam “influenciar ou manipular a opinião pública sobre o sistema eleitoral”. Hashtags são palavras-chave utilizadas para indexar um tópico ou discussão no Twitter. Ao clicar em uma hashtag, você pode visualizar todas as publicações de mesmo tema. Conforme revelamos no Twitter Files Brazil 1, o TSE queria: I- Identificar os primeiros usuários a publicarem estas hashtags; II- que o Twitter produzisse relatórios de progressão cronológica destas hashtags e potenciais comportamentos suspeitos. III- Além disso, o TSE também queria reduzir de alguma forma o engajamento de conteúdo específico na plataforma (ou seja, evitar que contas específicas fossem sugeridas a outras pessoas). Estes pedidos espantaram a equipe do Twitter, que em conversa interna destacou o caráter incomum dos pedidos provenientes desta investigação. Segundo Diego de Lima Gualda, Diretor Jurídico do Twitter para a América Latina, o TSE pressionou por dados privados de usuários sob a justificativa de “circunstâncias excepcionais” e queria usar o Twitter como uma máquina de precognição de crimes para “antecipar possíveis atividades ilegais”.

Segundo uma integrante da equipe do Twitter, do ponto de vista legal, estas solicitações eram questionáveis à luz de estatutos e precedentes dos tribunais do Brasil, pois violariam a privacidade do usuário e os direitos do devido processo. A advogada temia que o pedido ocasionasse uma “potencial divulgação massiva de um número indeterminado de usuários, sem causa clara e sem fiscalização prévia do Judiciário”. Os pedidos iniciais do TSE poderiam expor dados de até 260 mil contas.

Após os protestos do Twitter, apenas cerca de 200 contas seriam afetadas. Ainda assim o Twitter acreditava que o número era “muito significativo e uma exceção com base nos casos típicos que tratamos no Brasil”. Essa foi a opinião de Diego de Lima Gualda, diretor jurídico do Twitter e do X até este mês, em uma conversa com a diretora jurídica sênior do Twitter na área de litígio global na época, Karen Colangelo, em email interno de 18 de agosto de 2022. Preocupada, Colangelo perguntava a Gualda se o TSE continuaria exigindo dados: “em que ponto traçamos o limite?”

Ao longo de aproximadamente um ano o Twitter reagiu a estas exigências do TSE e da Polícia Federal alegando que eram ilegais e não respeitavam o Marco Civil da Internet. Rafael Batista, consultor jurídico sênior do Twitter, disse que o Twitter “iria reagir” porque “não havia indícios de ilegalidade no uso de hashtags” e porque o TSE exigia “divulgação em massa e indiscriminada de dados privados de usuários”, o que caracterizaria “violação de privacidade e outros direitos constitucionais”. Em uma troca de emails anterior, em 13 de maio de 2022, a equipe jurídica do Twitter destacou que o TSE não tinha interesse de que a investigação se tornasse pública. A preocupação do Twitter era de que estes dados sensíveis de usuários fossem divulgados, ainda mais porque a decisão final sobre a divulgação cabe exclusivamente ao TSE. Colangelo expressou preocupação em esconder a participação do Twitter em fornecer os dados dos usuários: “tem algum jeito de assegurar (ou ao menos de tentar proteger) a confidencialidade dessas informações e também o fato de que nós as fornecemos?”

As conversas entre Gualda e Colangelo vieram após uma reunião de Gualda com a Polícia Federal no dia 12 de maio. O brasileiro relata que do ponto de vista do Twitter não havia um “comportamento coordenado inautêntico” das contas visadas pela PF. A PF teria explicado, segundo ele, que encontrar a tal coordenação era seu objetivo. Corroborando as informações das edições anteriores dos Twitter Files, o email de Gualda contando a respeito da reunião corrobora que Meta e Google adotaram “medidas extraordinárias” para colaborar mais com as autoridades (potencialmente na liberação de dados privados em violação ao Marco Civil) que o Twitter.

Dados Solicitados

Em 30 de março de 2022, Gualda afirmou que o TSE havia estipulado um prazo de 7 dias para a entrega dos dados sob pena de multa diária de 50 mil reais. (aproximadamente 10 mil dólares). Neste pedido, a Polícia Federal exigia que a rede social fornecesse dados das hashtags #VotoDemocraticoAuditavel e #BarrosoNaCadeia, que apresentamos no primeiro Twitter Files Brazil. Além destas, a hashtag #VotoImpressoNão também foi solicitada. Observamos, contudo, maior interesse na busca pelas anteriores. No email, Gualda conta que a corte havia revogado “a decisão anterior de fornecer dados de usuário a respeito dos ‘primeiros usuários’ de #BarrosoNaCadeia e #VotoImpressoNão”. Mas naquela mensagem de 12 de maio, fica claro que o TSE volta a visar a hashtag #VotoImpressoNão para outros usuários. Os dados solicitados da hashtag #VotoImpressoNão foram: – dados de inscrição de quem tuitou essa hashtag em planilha de texto ou em formato de planilha CSV; – dados de assinatura da conta (como usuário, email, telefone e idade); – o IP de acesso após o tuíte; – data e hora; – e conteúdo de todos os tweets associados à hashtag.

Contexto

O período estabelecido para a busca desta hashtag foi de 9 de agosto a 12 de agosto de 2021. Este período coincide com a votação de uma proposta para a adoção do voto impresso nas eleições brasileiras. O assunto voto impresso é controverso no Brasil. Embora o parlamento tenha aprovado pelo menos três propostas para a adoção do voto impresso, a Suprema Corte e o TSE sempre rechaçaram a ideia, mesmo com seu amplo apoio popular, e insistem na utilização de urnas eletrônicas de primeira geração. Nos últimos anos, a ideia passou a ser atrelada ao bolsonarismo, o que fez com que muitos defensores históricos “mudassem de lado”. Durante a quarta tentativa, houve intensa disputa no Congresso para a votação da proposta e até mesmo ministros do STF trabalharam fazendo lobby contra a proposta. As redes sociais foram mais um palco dessa disputa e as hashtags foram utilizadas para distribuir mensagens, palavras de ordem contra ou a favor do projeto. A proposta não foi aprovada mesmo com a maioria de votos favoráveis à impressão dos votos, pois não foi atingido o número mínimo exigido de 308 votos favoráveis. O resultado da votação foi 229 votos favoráveis, 218 contrários e 1 abstenção.

Esquerdistas afetados

Entre os perfis de personalidades de esquerda que fizeram campanha — legítima — contra o voto voto impresso dentro deste período, e utilizando a hashtag #VotoImpressoNão, destacamos: as deputadas federais Luiza Erundina , Tábata Amaral e Joenia Wapichana. Também a deputada estadual Erica Malunguinho e os influenciadores Lázaro Rosa e FalaMuka. Um caso interessante é o do perfil Jairme, uma conta anônima utilizada para militância política contra Bolsonaro. Este perfil já foi alvo de tentativas legais de desmascarar seu responsável sob acusação de propaganda política irregular. Houve intenso debate sobre as questões éticas e legais na utilização de perfis anônimos na internet, já que a Constituição brasileira condiciona a liberdade de expressão ao não anonimato. Hoje o perfil segue anônimo. Mas, considerando que Jairme tuitou a hashtag contra o voto impresso neste período, é possível que seus dados tenham sido enviados pelo Twitter e possam revelar o seu autor. Os deputados Alessandro Molon e Sâmia Bomfim também utilizaram a hashtag, mas fora do período estipulado pela PF.

O caso do PCO, o partido banido

Outro caso de destaque de censura à esquerda é do Partido da Causa Operária (PCO), partido político brasileiro considerado de extrema esquerda que, apesar de ser aliado do presidente Lula, é um caso excepcional no cenário político por sua postura crítica ao Judiciário e defesa de políticas geralmente não associadas à esquerda tradicional, como a liberdade de expressão e o direito ao porte de armas. O PCO é um partido nanico. Ainda que não tivesse pretensão de se eleger presidente em 2022 (seu candidato a presidente recebeu 0,05% votos), o PCO foi prejudicado eleitoralmente ao ser completamente censurado em diversas redes sociais — antes e depois das eleições de 2022 — após acusar o TSE de tentativas de fraude eleitoral visando prejudicar Lula nas eleições.

Algumas das declarações do PCO utilizadas por Moraes para a censura: – “Em sanha por ditadura, skinhead da toga retalha o direito de expressão, e prepara um novo golpe nas eleições. A repressão aos direitos sempre trabalhadores! Dissolução do STF” – “É preciso adotar uma política concreta contra a ditadura do STF. Lutar pela dissolução total do tribunal e pela eleição dos juízes com mandato revogável”. – “Tribunal Superior Eleitoral quer impor censura a manifestações políticas em show. Fascista Alexandre de Moraes é um dos pilares da ditadura do judiciário e vai presidir o TSE nessas eleições. #ForaBolsonaro #LulaPresidente #PCO“.

Um e-mail do time jurídico do Twitter enviado em 6 de junho de 2022 destacou uma ordem que recebeu de Moraes para bloquear imediatamente o perfil do PCO no Twitter. A justificativa era a inclusão do partido no Inquérito das Fake News, com a exigência de que o Twitter também identificasse o criador da conta e preservasse todo o conteúdo associado, inclusive o deletado. A empresa planejava cumprir parcialmente com a ordem, fornecendo dados básicos e conteúdo, mas desafiaria a suspensão da conta, destacando a legitimidade legal do PCO como partido registrado no Brasil.

Nos documentos recentemente disponibilizados pela Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, há duas medidas aplicadas ao PCO durante as eleições de 2022. A primeira é um mandado de intimação emitido por Moraes “de ofício”, ou seja, iniciada pelo próprio juiz sem que houvesse pedido externo, em 17 de junho de 2022, ordenando o bloqueio das redes sociais do PCO, incluindo Twitter, dentro de um prazo de 24 horas. Em caso de não cumprimento desta ordem, foi estipulada uma multa diária de 20 mil reais. O segundo documento revela que, somente em 28 de fevereiro de 2023, quase quatro meses após as eleições, as restrições impostas às redes sociais do PCO foram finalmente revogadas. Moraes justificou a decisão de desbloqueio argumentando que houve cessação da divulgação de conteúdos considerados ilícitos que poderiam comprometer a integridade do processo eleitoral. No entanto, a decisão ainda impôs uma multa diária de 10 mil reais em caso de futuros descumprimentos.

Perfis de esquerda bloqueados

Há mais dois casos que atingiram grupos de esquerda e em que o Twitter desafiou as ordens do TSE. Bolsoflix O primeiro é o do site Bolsoflix, uma plataforma anônima que objetivava “rebater os argumentos” espalhados por Bolsonaro e seus apoiadores. O site reunia vídeos críticos ao presidente para que fossem distribuídos no WhatsApp. O TSE ordenou a sua retirada do ar argumentando que a plataforma Bolsoflix, ao estar hospedada fora do Brasil e associada a uma empresa estrangeira, violava as normas eleitorais brasileiras, que exigem que propagandas eleitorais sejam transmitidas apenas por sites sediados no Brasil e não por empresas privadas. O TSE incluiu na sua decisão o perfil do Twitter

BolsoflixReal exigindo a sua suspensão e disponibilização de dados da conta sob multa diária de R$ 10 mil (US$ 1,9 mil). Nos Twitter Files o jurídico do Twitter argumentou que a decisão do TSE não considerou qualquer conteúdo específico postado pelo perfil que pudesse ser considerado ilegal ou irregular. Afirmou que a ordem baseava-se unicamente na associação do perfil com o site de terceiros e defendeu que poderia remover conteúdos específicos ilegais, sem necessidade de suspender todo o perfil. Por isso, questionou a decisão, alegando desproporcionalidade e falta de especificidade na análise do conteúdo real do perfil BolsoflixReal.

Verdade na Rede Similar ao caso do Bolsoflix, O TSE ordenou a retirada do ar do site “http://verdadenarede.com.br”, vinculado à campanha de Lula. A justificativa era que o site e o perfil no Twitter associado,

O Site verdade na rede, enganavam o público ao se apresentarem como uma agência independente de checagem de fatos, enquanto na realidade eram parte da campanha eleitoral oficial. De acordo com um email interno do Twitter enviado por uma advogada membro da equipe jurídica empresa (aqui anonimizada por não ser sênior), a plataforma desafiou a decisão do TSE. A equipe jurídica argumentou que não havia sido feita uma análise de conteúdos específicos postados que pudessem ser considerados ilegais ou irregulares. Eles enfatizaram que, embora pudessem remover conteúdos específicos ilegais, a suspensão total do perfil era desproporcional e baseada unicamente na associação do perfil com o site de terceiros. Os perfis tanto do Bolsoflix quanto do Verdade na Rede permanecem “retidos no Brasil em resposta a uma demanda legal”.

PGR requisita dados de tuítes antigos de jornalista

Um outro caso é o do apresentador da Rede Globo Felipe Andreoli, que se tornou alvo da Procuradoria-Geral da República. Andreoli encabeçou campanhas de cancelamento contra o jogador de volêi Maurício Souza acusado de comportamento homofóbico. Atualmente, Souza é deputado federal. Na sequência, o próprio Andreoli foi cancelado por causa de tuítes preconceituosos publicados por ele em 2010. Embora Andreoli tenha se desculpado e afirmado que hoje é uma “pessoa melhor”, o Ministério Público Federal enviou ao Twitter um pedido de “preservação” de IPs relativos a esses tuítes. O Twitter se recusou a atender ao pedido pois não teria recebido as URLs específicas, apenas capturas de tela. Além disso, não teria sido seguido o que determina o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT).

Um chamado à mudança

Estes casos demonstram que, embora a direita tenha sido perseguida com mais intensidade nos últimos anos, a esquerda também pode ser afetada por censura ou solicitação indevida de dados. Em 2014 foi aprovado no Brasil o Marco Civil da Internet, lei que assegura direitos e estabelece deveres no uso da internet no país. Implementado após longa discussão com a sociedade, o Marco Civil é um lei robusta que garante a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários, estipulando que qualquer coleta, uso ou divulgação de informações pessoais deve ser feita com transparência, finalidade específica e consentimento do usuário.

O Marco Civil também protege a liberdade de expressão na internet, garantindo que o acesso e o uso da rede sejam livres e que não haja censura prévia. Além do Marco Civil, o Brasil possui uma lei específica para proteger a privacidade e os dados dos cidadãos na internet, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), aprovada em 2018. Ao invés de respeitar o Marco Civil e a LGPD, o governo Brasileiro tem tentado aprovar leis que colocam a liberdade de expressão em risco. Uma destas leis é o PL 2630/2020, também chamado de PL das Fake News. ONGs financiadas por bilionários, como George Soros, militantes de esquerda e partidários do presidente Lula têm defendido propostas deste tipo, aproveitando que há uma tendência judicial a seu favor neste momento. Mas, para quem apelarão quando os juízes resolverem mudar de lado (mais uma vez)?

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Fonte:
Paulo Figueiredo

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