Ofertas “tentadoras” escondem crime

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Quem caminha pelas ruas de João Pessoa depara-se com um fenômeno cada vez mais intenso, que não se trata, apenas, do trânsito. Convivendo com os carros que congestionam as vias em horários de pico, estão os anúncios — fixados em postes, pontos de ônibus e muros —, de empréstimos informais, que prometem o pagamento imediato de um valor, a ser adquirido por meio de uma compra no cartão de crédito. O serviço ilude pela facilidade do recebimento do dinheiro, mas é ilegal e pode ser entendido como agiotagem — outro nome para a usura, um crime contra a economia popular.

Segundo Dayuri Santos, advogada especialista em Direito do Consumidor, não há previsão, na legislação brasileira, para que pessoas físicas ofereçam empréstimos a terceiros, já que essa atividade pode ser feita somente por instituições autorizadas pelo Banco Central. O serviço anunciado em postes, assim, enquadra-se no crime de usura pecuniária ou real, tratado na Lei no 1.521, de 1951. A norma, em seu artigo 4o, inclui os casos em que são cobrados juros, sobre dívidas em dinheiro, acima do permitido legalmente, assim como a realização de contratos que se aproveitem da situação de necessidade das pessoas para obter lucro excessivo. A pena é de prisão, entre seis meses e dois anos, e uma multa em dinheiro, cujo valor varia de R$ 2 mil a R$ 50 mil.

Além de ilegal, a prática exposta nas ruas pessoenses é abusiva. “O método usado para fazer esses empréstimos tem uma publicidade muito invasiva, porque, quando eles colocam o anúncio dizendo: ‘Receba R$ 1.000 e pague em ‘x’ parcelas de determinado valor’, não estão demonstrando qual o valor final que a pessoa pagará, mas atraindo a atenção do consumidor para a possibilidade de ter dinheiro fácil e rápido”, diz Dayuri.

Ainda conforme a especialista, mesmo pessoas jurídicas podem cometer irregularidades ao ofertarem empréstimos — isso, claro, quando não se trata de empresas previamente autorizadas a fazê-lo. “Imagine que eu sou dona de um supermercado e me aproveito do fato de ter uma máquina de cartão para atrair o consumidor a fazer esses empréstimos. O problema é que, quando fui até uma instituição financeira e disse que precisava de uma maquineta, eles me deram esse aparelho, com a finalidade de passar as compras dos meus clientes. Mas, a partir do momento que eu a utilizo para fazer esse tipo de empréstimo, estou agindo mediante agiotagem e cometendo uma fraude ao sistema financeiro”, esclarece.

Simulação

A reportagem do Jornal A União tentou contato com três números encontrados em anúncios da capital, sendo atendida por um deles. O objetivo foi simular a aquisição de um empréstimo. Na conversa, o atendente prometia a concessão de R$ 1.000, via Pix, que seria pago em 12 parcelas de R$ 104,99. Também seria possível quitar o montante em menos parcelas ou adquirir valores maiores, divididos em até 18 vezes. A comodidade do serviço incluía o fato de não haver consulta à situação cadastral do CPF na Receita Federal, o que permite o empréstimo a pessoas negativadas. A única exigência é ter um limite, no cartão de crédito, equivalente ao valor final a ser pago — e a transação pode ser efetivada tanto em um endereço escolhido pelo cliente como em um dos escritórios da empresa, localizados no Centro de João Pessoa e nos bairros de Mangabeira, Manaíra e Oitizeiro.

Uma consulta ao CNPJ da companhia responsável pelo empréstimo, porém, revelou que sua atividade principal não é a de oferta de créditos, mas de “serviços combinados de escritório e apoio administrativo”. As funções secundárias — “atividades de cobranças e informações cadastrais” e “correspondentes de instituições financeiras” — tampouco permitem a realização de empréstimos pelos consumidores. A última, aliás, embora traga uma vinculação ao ramo financeiro, inclui apenas o recebimento de depósitos e o pagamento de títulos. Isso indica, portanto, que a promessa feita nesse anúncio, assim como em tantos outros, é ilegal.

Denúncia

Em João Pessoa, os serviços informais de empréstimo podem ser denunciados à Delegacia de Crimes Contra a Ordem Tributária (DCCot), localizada na Cidade da Polícia Civil, no bairro Ernesto Geisel. A denúncia gerará um Boletim de Ocorrência (B.O.), que pode ser enviado, também, ao site do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia federal responsável por investigar práticas que violem o sistema financeiro.

Ainda na Paraíba, outro órgão que recebe denúncias é a Autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado (Procon-PB). Sua atuação já levou à notificação de empresas, à aplicação de multas e à apreensão de máquinas de cartão de crédito, em operações realizadas desde 2021.

Consumidores ficam vulneráveis a novos golpes e ao vício 

As pessoas que contratam empréstimos em serviços ilegais não são consideradas infratoras da lei — na verdade, para Dayuri Santos, elas consistem mais em vítimas do que, propriamente, em consumidores. Um dos perigos de se envolver nesse tipo de operação, assim, é de tornar-se alvo de novos golpes, conforme alerta o consultor financeiro Guilherme Baía. “Existe o risco de a pessoa sofrer outros crimes, como extorsão e roubo de dados, uma vez que o credor já possui os dados do cartão de crédito, podendo, inclusive, ter outro empréstimo contraído em seu nome. Então, se o empréstimo sair mais barato [que o ofertado por um banco], seria só pela ótica financeira; mas isso pode acabar sendo ainda mais caro, principalmente quando o credor é alguém que não ‘dá as caras’ nem é uma instituição regulada”, ressalta.

Outro risco atrelado à aquisição desses empréstimos tem relação com a facilidade aparente com a qual o dinheiro é obtido. A ilusão gerada pelo recebimento imediato de um depósito pode tornar a prática um vício, já que a vítima passa a contratar o serviço em qualquer oportunidade, por mais trivial que pareça. “É muito fácil a pessoa pegar um dinheiro porque quer fazer um passeio ou porque quer ir ao shopping no fim de semana e gastar. Muitas vezes, ela nem chega a quitar o empréstimo anterior e já vai fazendo outros e outros, o que gera mais uma situação muito preocupante, que é o superendividamento”, adverte Dayuri.

Para a advogada, a popularização desses serviços é um sinal da vulnerabilidade de parte da população frente às instituições financeiras, o que leva à busca por soluções “alternativas”. Além disso, a existência dessas vítimas indica a necessidade de maiores investimentos em educação financeira voltada para o consumo. “A partir do momento em que não preciso de um empréstimo e, mesmo assim, eu contrato, só porque está muito fácil, não tenho a consciência de que aquilo pode ter outras consequências. E mesmo que a parcela seja baixinha, não é melhor utilizar esse valor para fazer um investimento ou uma reserva de emergência?”, provoca a especialista em Direito do Consumidor.

Cautela e informação previnem maus negócios

Se o empréstimo for realmente uma necessidade, existem formas mais seguras de recorrer a esse caminho. É o que orienta Késsia Liliana, superintendente do Procon-PB. “Em primeiro lugar, desconfie de ofertas muito fáceis e de quem pede dados bancários ou pagamentos antecipados. Também evite empréstimos informais sem contrato ou registro, e pesquise a empresa desejada no site do Banco Central. Acima de tudo, busque crédito apenas em instituições regulamentadas”, comenta.

Guilherme Baía destaca, ainda, que a adoção responsável de um empréstimo passa pela compreensão do que gerou sua necessidade — geralmente, um desequilíbrio entre o aumento das despesas e a diminuição da renda familiar. O primeiro lado da balança pode ter pesado por um descontrole nos gastos ou por algum infortúnio, enquanto o segundo pode ser efeito de um fenômeno sazonal, como a queda nas vendas de um comércio, ou de uma perda duradoura da renda, a exemplo de uma demissão ou do fim de um contrato de trabalho. Entender a origem do problema e os meios de solucioná-lo, portanto, é fundamental.

“A família precisa ver, no orçamento, quanto é possível designar para o pagamento da parcela. Essa capacidade de pagamento é preponderante para que se isole esse valor do orçamento mensal, seja para um empréstimo novo, seja para uma renegociação. E ele precisa ser muito bem dimensionado, considerando, inclusive, eventuais mudanças no orçamento, para evitar que a parcela contratada se torne um grande problema depois”, finaliza o consultor financeiro.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de março de 2025.

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Fonte

A União

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