Por que os bonés fazem a cabeça dos políticos (e de muito mais gente)

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Seja dia ou noite, faça sol ou chuva, ele está em praticamente todas as cabeças. Nas ruas, nas praias e nas passarelas. Nas escolas e nos eventos esportivos; nos restaurantes, nas igrejas e até no centro de poder. E, claro, nas redes sociais. Sim, estamos falando dele, o cada vez mais popular boné.

A moda nunca foi apenas sobre roupa. Vestimos causas, história e cultura. Nenhuma peça, porém, se revelou um meio de expressão tão eficiente e abrangente quanto o acessório, nos últimos tempos. Quer marcar uma posição política? Protestar? Defender uma pauta social? Comunicar um estado de humor? Ou simplesmente fazer deboche? Registre no boné.

Basta lembrar o “debate” travado recentemente na política, através do adereço. Em resposta ao boné vermelho “Make America great again” (“Faça a América grande novamente”), do presidente americano, Donald Trump, Luiz Inácio Lula da Silva e integrantes de seu governo apareceram usando uma versão azul do modelo, com os dizeres:  “O Brasil é dos brasileiros”. Pronto! Não demorou para oposição responder com outro onde se lê: “Comida barata novamente — Bolsonaro 2026”.

Quando Trump ameaçou fazer do Canadá o 51º estado americano, logo, o primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, reagiu;  “Canada is not for sale” (“Canadá não está à venda”), informa o adereço.

“O boné é um acessório de rápida visualização, assim como uma camiseta também é. Mas, em uma análise um pouco mais semiótica, podemos dizer que ele está ligado justamente ao pensamento, à ideia”, diz Lorena Borja, designer de moda e professora do Instituto Europeu de Design (IED) e da ESPM, em conversa com o NeoFeed. “Ele tem essa conexão simbólica muito significativa, pois é usado na cabeça.” Mais estratégico, impossível.

Nem só de política, porém, vive o “boné mensageiro”. Ele vem comunicando assuntos dos mais variados — em geral, de forma divertida e bem-humorada. Há os feministas (“Gostosas tomam cerveja e comem fritura”, por exemplo), os que valorizam a saúde mental (“Prozac e purpurina”) e os que prezam o autocuidado (“Busy relaxing“). Sem contar aqueles que fazem piada de seus próprios donos (“Sem carisma”), entre tantos outros.

A grande fonte de inspiração está nas redes sociais. Se bombou na internet, pode apostar, em pouco tempo, chegará à testa das pessoas. Veja o sucesso do boné “A vida presta”. Na euforia da campanha pelo primeiro Oscar brasileiro, a frase da atriz Fernanda Torres viralizou e, rapidamente, se transformou em estampa.

Dona da marca Xet’s, a publicitária carioca Fernanda Lucena não perde tempo em transformar as trends em venda. Foi assim com o modelo “A vida presta”. Ela abriu a pré-venda e, em questão de horas, os bonés esgotaram — 40 peças, a R$ 129, cada uma.

Desde janeiro, a empresária enviou 320 unidades para todo o Brasil. Ele ainda só não bateu o sucesso de “Carinha de princesa e fígado de Zeca Pagodinho”, que em pouco mais de seis meses, vendeu 435 peças.

Fundada há quatro anos, a Xet’s nasceu como um e-commerce focado em pochetes, embora vendesse também camisetas, sacolas e chapéus do tipo “bucket”. “Mas, o boné veio atropelando, chegou chegando e hoje em dia não me vejo sem ele”, diz Fernanda, ao NeoFeed, que recentemente abandonou o trabalho fixo, mas se dedicar ao próprio negócio.

Hoje, os bonés são o carro-chefe da empresa, responsável por cerca de 50% do faturamento mensal de R$ 80 mil.

Desde a Antiguidade

As primeiras versões do acessório remontam à Antiguidade. De acordo com a professora Lorena, a metade do século 19 é considerada um  “turning point” para a peça, quando sua identidade foi atrelada ao esporte, mais especificamente ao beisebol, nos Estados Unidos. “O boné foi se tornando bem mais conhecido, já que é um item do próprio uniforme”, diz ela.

O boné do extinto Banco Nacional, usado pelo piloto Ayrton Senna, é um sucesso até hoje (foto: ayrtonsennavive.blogspot)

Os bonés começaram a se popularizar no começo do século 20, graças ao beisebol. Na imagem, o jogador Lou Gehring, do Yankee, em jogo de 1923 (Foto: commons.wikimedia.org)

Em Apucarana, no Paraná, “capital do boné”, até os pontos de ônibus têm o formato do acessório (Foto: Prefeitura da Apucarana)

Em Historinhas sobre as nossas roupas, o autor Denis Bruna chama atenção para as origens humildes do item. Enquanto as cartolas eram usadas apenas pela burguesia, os bonés eram parte do figurino dos trabalhadores, principalmente no  século 19 e início do 20.

Já nas décadas de 1960 e 1980, o acessório começou a ser incorporado à moda, graças à street dance. Nessa época, algumas personalidades foram importantes para a ajudar a popularizar o acessório, entre eles o cantor Michael Jackson.

“É também no século 20 que vemos o boné sendo usado e apropriado por vários movimentos sociais, culturais e como um símbolo de identidade, de resistência, ou de alguma ideologia”, explica Lorena.

A peça azul de Senna

No Brasil, um dos bonés de maior sucesso continua a ser o o azul, com a marca do extinto Banco Nacional, levado mundo afora pelo piloto Ayrton Senna. A peça foi confeccionada em Apucarana, no interior do Paraná.

“Temos como marco para cidade a criação do boné do Senna”, afirma Gustavo Berti, pesquisador responsável pelo Ecomuseu do Boné da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em conversa com o NeoFeed.

Durante  o desenvolvimento do item, o atleta chegou a visitar Apucarana por diversas vezes. Ele se reunia com designers e produtores para dar sugestões de como criar um acessório mais confortável.

Considerada a “capital do boné”, as confecções apucaranenses são responsáveis por 70%  das peças vendidas no Brasil, nos cálculos de Jayme Leonel, coordenador do Arranjo Produtivo Local (APL). São 4 milhões de unidades mensais, 20 mil trabalhadores, 150 fábricas e 600 empresas, quando considerada toda a cadeia, que envolve , quando considerada toda a cadeia produtiva.

“O boné sempre foi promocional, mas nos últimos dez anos passou a ser um acessório de vestuário”, diz Leonel. “As pessoas usam boné até em restaurantes e igrejas.”

A nova camiseta?

Como plataforma de comunicação, o acessório está ocupando um espaço que sempre foi da camiseta. Para alguns , como a dona da Xet’s, o adereço de cabeça é o destaque do momentos, mas, no longo prazo, não deve tirar a primazia da camiseta.

Do ponto de vista do negócio, porém, trabalhar com bonés é bem mais fácil. “Ele tem uma vantagem de não ter tamanho, o que facilita a gestão de estoque”, explica Fernanda. “É muito raro eu ter de fazer a troca de um boné.”

Para Berti, o boné veio para ficar. Versátil, veste todo mundo mundo. Mulheres e homens, mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres, gordos e magros. “Ele não depende de um contexto de vestuário e pode ser usado com jeans, vestido, camiseta”, diz.

Há de se considerar ainda o posicionamento estratégico da peça. “Como o boné está na cabeça, ele te força a olhar para ele, quando, por exemplo, se está conversando com uma pessoa”, afirma o pesquisador. E, ele completa, o boné transforma seu dono no outdoor de uma ideia — impossível de não ser visto.

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Neofeed

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