Transgênicos não são livres de riscos

Siga @radiopiranhas

Ir ao supermercado e fazer a feira do mês ou da semana faz parte do cotidiano das famílias paraibanas. Contudo, pouca gente presta atenção aos detalhes dos rótulos das mercadorias — como o símbolo com a letra “T” gravado em algumas embalagens dos produtos industrializados, indicando a presença de alimentos geneticamente modificados. A dúvida é se esses itens, que estão na dieta de grande parte da população, são ou não prejudiciais à saúde.

Na correria do dia a dia, muitas pessoas escolhem o que compram sem se dar conta das operações que perpassam os alimentos até as prateleiras. Do campo à mesa, há uma cadeia complexa, que reúne aspectos ambientais, econômicos e sociais, no processamento dos inúmeros produtos vendidos no comércio. Consciente de parte desses processos, há um outro perfil de consumidor, como a radialista Josy Melo.

“Eu evito produtos industrializados, mas meu marido gosta de comer aquelas carnes enlatadas, como ‘kitut’ e sardinha. Eu gosto mesmo é do meu cuscuzinho com ovo de capoeira”, relata. Ela e seu companheiro, Alexandre Tavares, fazem a feira mensal de itens não perecíveis em um mercado, no bairro do Bancários, onde buscam equilibrar qualidade e custo. “A gente presta atenção, geralmente, na qualidade do produto, se está realmente bem conservado, e no preço”, conta Josy, salientando, porém, que nunca prestou atenção nas letras miúdas das embalagens.

 

Produtos alterados tendem a reter mais resíduos químicos

Transgenia é usada em prol da produtividade, diz especialista | Foto: Arquivo Pessoal

Como explica Pablo Araújo, engenheiro agrônomo e gerente regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural da Paraíba (Senar-PB) em Areia, os itens transgênicos “são alimentos que foram modificados geneticamente para se ter facilidade em seu cultivo”. Entre os exemplos mais comuns, no estado, estão produtos à base de cana-de-açúcar e de milho; muitos desconhecem, aliás, que boa parte do cereal do cuscuz é geneticamente alterada.

De acordo com a nutricionista Francianny Marília, especialista em Comportamento Alimentar, o fato de um item ser transgênico não significa que cause, necessariamente, problemas à saúde. “Até o momento, as pesquisas científicas disponíveis mostram que, quando avaliados e regulamentados, eles são considerados seguros para o consumo humano”, observa. O representante do Senar-PB aponta, no entanto, que, mesmo com a regulação e a fiscalização por parte de entidades como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a questão ainda é tema de debate: “Apesar de a Organização Mundial da Saúde [OMS] também garantir a segurança [dos transgênicos], existem estudos que demonstram que eles podem fazer mal, principalmente, com reações alérgicas. Mas, a longo prazo, não se tem nenhuma certeza”.

Ambos os especialistas reconhecem que os riscos na ingestão desses alimentos tornam-se mais claros quando se constata que as alterações laboratoriais para melhorar a produtividade do cultivo vinculam a transgenia aos agrotóxicos. “Os transgênicos são feitos para terem resistência a produtos químicos, agrotóxicos e herbicidas. Então, tendem a conter um pouco mais de resíduos químicos, porque, devido a essa resistência, o pessoal acaba aplicando de forma mais desenfreada essas substâncias”, indica Pablo, alertando que, com isso, os consumidores são expostos a uma alta concentração de materiais como o glifosato. Considerado o agrotóxico mais vendido no mundo, conforme o Centro de Estudos Estratégicos Ivo de Carvalho, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ele pode causar problemas à saúde e ao meio ambiente, se não for utilizado em baixas dosagens.

“Existem benefícios [no uso de alimentos transgênicos], como o aumento da produção para combater a fome, mas os riscos associados não podem ser ignorados. Ainda faltam estudos de longo prazo que confirmem os reais efeitos dos transgênicos na saúde humana”, reforça o engenheiro agrônomo.

 

Agricultura familiar oferece alternativa saudável e sustentável

Para se prevenir dos possíveis males causados por transgênicos e do impacto dos agrotóxicos no organismo, como distúrbios gastrointestinais, Francianny enfatiza que a população deve adotar uma dieta baseada em produtos in natura ou pouco processados — aproveitando-se, inclusive, da abundância de frutas, verduras e leguminosas produzidas na Paraíba.

Banco de sementes perpetua cultivo tradicional, sem agrotóxicos, enquanto medidas de regulação ajudam a identificar transgênicos | Foto: Luzia Bezerra da Silva/Arquivo pessoal
Foto: Evandro Pereira

  Nesse sentido, é necessário compreender os alimentos como parte de um sistema, como aponta o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado, pelo Ministério da Saúde (MS), em 2006, e reeditado em 2014. Esse documento reúne orientações sobre a alimentação do brasileiro, em sua integralidade, explicando que comer de forma adequada e saudável deriva de um sistema alimentar social e ambientalmente sustentável. Isso significa que é preciso considerar os impactos produtivos e de distribuição dos alimentos, a justiça social e a integridade ambiental para compor uma dieta nutricional de qualidade.

Atualmente, uma das maneiras de saber, com segurança, o que se consome é por meio da preservação das sementes crioulas, grãos ancestrais orgânicos, livres de modificações genéticas, que originam alimentos agroecologicamente corretos. Nas palavras de Luzia Bezerra da Silva, agricultora de Itatuba, no Agreste paraibano, cultivar sementes crioulas é conversar com a memória do mundo. “Elas são um patrimônio muito importante. Além de guardar a história dos nossos bisavós, são sementes saudáveis, livres de agrotóxicos. Com elas, a gente sabe exatamente o que está comendo”, define Luzia, responsável pelo banco de sementes crioulas de sua cidade.

Além de manter vivas técnicas tradicionais de cultivo e manejo do solo, iniciativas como essa fomentam produções mais naturais e acessíveis no cenário da agricultura familiar — que, apesar de ainda desempenhar um papel importante na cadeia produtiva do estado, tem perdido força, em todo o país, justamente, para sistemas voltados à fabricação de transgênicos, com o uso de agrotóxicos.

Consumo consciente

Se, por um lado, os transgênicos aumentam a produtividade agrícola e ajudam a suprir a demanda alimentar global, por outro, levantam questões éticas e ambientais. A longo prazo, o equilíbrio entre ciência, políticas públicas e educação nutricional será fundamental para preservar o direito ao consumo consciente. Afinal de contas, o alimento, em si, já é vital, no entanto, é preciso conhecer sua trajetória e sua composição para poder escolhê-lo de maneira mais saudável e sustentável.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de março de 2025.

source
Fonte

A União

Adicionar aos favoritos o Link permanente.