Ainda Estou Aqui

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Nos últimos dias o escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva foi agredido enquanto participava de um evento lúdico, carnavalesco, na Rua Augusta, em São Paulo. Para quem não conhece o autor, ele escreveu o livro Ainda Estou Aqui, que narra a história de sua família, mais particularmente de sua mãe, Eunice Paiva, em busca da verdade e da justiça pelo assassinato de seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva, durante a Ditadura Militar no país.

O livro foi escrito 35 anos depois de um outro projeto editorial de Marcelo, que foi um sucesso, Feliz Ano Velho, uma publicação também autobiográfica. Atualmente, a reedição do livro Ainda Estou Aqui alcança grande repercussão pelo impacto do filme homônimo, do diretor Walter Salles Júnior, e pelos prêmios ganhos em festivais e por concorrer ao Oscar 2025 nas categorias melhor filme, melhor atriz (Fernanda Torres) e melhor filme internacional.

Infelizmente, o autoritarismo do passado se reconfigurou um pouco no presente, se apresenta de maneira estranha e fermenta em muitos espaços, públicos e privados. O estímulo ao discurso do ódio conduz muitas pessoas à barbárie, como a que vimos nas imagens da agressão ao próprio Marcelo Rubens Paiva.

As práticas autoritárias também emergem de dentro de nós como um alien (do filme O Oitavo Passageiro). Ou como o Venom, o anti-herói do Homem Aranha. E, por isso, a gente precisa repensar, revisitar, reaprender, ressignificar, porque há no cotidiano de nossas práticas uma linha muito tênue entre democracia e autoritarismo.

O filme Ainda Estou Aqui acontece no espaço da intimidade, da privacidade, no lugar onde residem todas as coisas que pulsam dentro de nós. Fiquei pensando muitíssimo na amplitude do pessoal ser político, como afirmam as mulheres na luta pelos direitos há décadas.

A filmografia do Walter Salles é íntima, com capacidade poética de abarcar a universalidade de alguns acontecimentos humanos e sociais. Assim foi em Terra Estrangeira, Abril Despedaçado, Central do Brasil, Linha de Passe, e tantos outros. Mas, em Ainda Estou Aqui tem um desdobramento político em muitas sociedades hoje, não só a brasileira, pelo crescimento dos grupos neonazistas e da extrema direita em vários continentes (um projeto autoritário em escala global).

É sobre o ontem. E sobretudo com o que faremos do tempo presente para enfrentar os desafios dos contornos autoritários que se desdobram a cada eleição ao redor do mundo. E as escolhas que estão bem diante do nosso nariz.

Esta semana, ao escutar um programa de rádio, senti que outras vozes precisam se fazer escutar e estrategicamente estarem nesses lugares, isso porque os discursos hegemônicos nos noticiários radiofônicos parecem estar ancorados num negacionismo em torno da realidade social.

Há muito tempo, a informação de qualidade, e tendo por valor o interesse público, vem sendo substituída pela desonestidade informacional. Retroceder a um mundo autoritário e ao regime da necropolítica se faz também cultivando uma comunicação violenta, omissa, opaca, jocosa, carregada de agressividade e de uma ironia perversa.

Que mundo é este que emerge de vozes centradas apenas nas disputas eleitorais do momento e na extrema manipulação de dados?

Ainda Estou Aqui nos religa ao passado recente nos provocando poeticamente a agir no presente, preservando assim algum futuro possível, democrático, amoroso e justo.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de fevereiro de 2025.

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A União

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