Observações de um jornalista

Siga @radiopiranhas

O jornalismo estreitou os laços entre Naná Garcez, diretora-presidente da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), e Agnaldo Almeida, outrora editor de A União. Primeiro profissionalmente e, depois, casados por 41 anos até o falecimento do chamado “ombudsman da imprensa” paraibana, em 2024. Um ano depois da partida do companheiro, com quem dividiu a paixão pelo trabalho, Naná traz a público a coletânea Deu no Jornal, que em seu primeiro volume reúne textos publicados na coluna de mesmo nome em A União, entre 2012 e 2013. O evento de lançamento da obra será amanhã, a partir das 19h, na Livraria A União (Espaço Cultural, João Pessoa). A entrada é franca.

Os textos organizados por Naná Garcez são uma seleção dos dois primeiros anos da coluna, que foi publicada semanalmente até 2018. Diferentemente do que acontece com outros colaboradores em espaços similares, Agnaldo não se detinha a uma temática ou a um estilo uníssono. Em seu espaço, ele explorava, por meio de diversos segmentos, assuntos em voga ou que eventualmente chamavam sua atenção.

A “Deu no Jornal” iniciava, no cabeçalho, com o Top of Mind, espécie de aforismo escrito pelo jornalista, seguido do Entre Aspas, com citação ou frase de algum indivíduo célebre. Dentre os espaços corriqueiros estavam o Como Vai o Português, em que havia o debate sobre o uso de determinadas palavras em veículos de imprensa.

Em 8 de maio de 2012, por exemplo, o Olá, Leitor!, outro dos espaços clássicos de Agnaldo em sua página, defendia que o fazer jornalístico era um misto de esforço e inspiração. Nesse texto, o jornalista disse ter recorrido a uma entrevista com o colega Zuenir Ventura, arquivada em seu alfarrábio pessoal, para resgatar características fundamentais do profissional da imprensa, como a humildade e a técnica.

Linhas depois, no segmento Memórias Impressas, Agnaldo recorda uma viagem que fez, em 1975, para acompanhar as obras da Usina Hidrelétrica de Itaipu, na divisa entre o Brasil e o Paraguai, em companhia de outros colegas. Foi a partir dessa viagem que o jornalista assumiu o cargo de diretor geral de A União.

A também jornalista Beth Torres foi convocada para escrever o perfil de Agnaldo, remontando a sua atuação junto a instituições como Secretaria de Estado da Comunicação (Secom), do qual foi titular, além da Associação Paraibana de Imprensa (API) e do Sindicato dos Jornalistas. Beth dividiu pautas com o mestre em A União, durante o período em que foi repórter do veículo.

“Ele era inquieto. Sempre estava em busca da informação, do melhor jeito de aprofundar a notícia, trazendo esse retorno para a sociedade. Ele considerava que essa era a principal função do jornalismo e eu, particularmente, acho que a inquietude é uma característica fundamental que o jovem repórter deve ter”, ela defende.

O editor de caderno Políticas, Luiz Carlos Sousa, responsável pelo texto da contracapa, destaca parte da convivência com o amigo, que também foi colega de trabalho em veículos como a TV Cabo Branco, além de  A União. A convivência com diversas gerações permitiu-lhe ser professor de muitos repórteres em formação.

“Ele era capaz de pegar um problema num posto de saúde, que não tinha médico para atender com regularidade a população, e transformava isso numa análise administrativa e política. Apesar de ser um assunto corriqueiro do cotidiano, ele unia os elementos de sempre para dar grandeza e profundidade. Não era todo mundo que tinha essa capacidade”, ele aponta.

 

“Não mexa nas minhas coisas”

Naná afirma que os primeiros anos de convivência com Agnaldo foram de muito aprendizado e que a fonte não secou nas décadas seguintes. Em seu começo na redação de A União, ela recebia muitos comentários e correções nos textos que escrevia: a companheira ressalta que ele não abria mão do rigor nos apontamentos.

“A redação, naquela época, era muito viva. Tínhamos Carlos Aranha, Sílvio Osias e Walter Galvão, três pessoas que já eram bem experientes. Iniciamos um relacionamento, mas quando me formei, fui morar em Brasília, mandando matérias de lá. Ele ficou. Tempos depois, com a criação da Secom, ele me convenceu a voltar a morar em João Pessoa. Isso resultou num casamento que durou 41 anos”, rememora.

Quando questionada sobre qual a característica principal do esposo como profissional da imprensa, ela não titubeia ao destacar o arcabouço cultural de Agnaldo, alimentado por leituras constantes e pela pesquisa em seu acervo pessoal: “Não mexa nas minhas coisas”, advertia o titular da coluna “Deu no Jornal” a quem ousava se aproximar do material que guardava, com todo o cuidado, em sua residência.

“Ele tinha uma perspicácia muito grande. Agnaldo montou toda a equipe de reportagem iniciante da TV Cabo Branco, na segunda metade dos anos 1980. Quando a emissora estava prestes a entrar no ar, ele optou por não ficar no projeto. Todavia, tinha essa característica fundamental, a de saber formar pessoas”, assinala.

Responsável pela seleção do material, Naná Garcez defende que Agnaldo utilizou o espaço na “Deu no Jornal” para encampar discussões pioneiras sobre assuntos que, mais de uma década depois, permanecem na pauta, como a regulação das redes sociais e a ética do jornalismo, debatida no caso do obituário precipitado de Júlio Rafael, então superintendente do Sebrae na Paraíba, declarado morto por certos veículos antes da consumação do fato.

“Em relação aos personagens políticos que ele comentava na época, você percebe que essa cena pouco evoluiu e que até retrocedeu, de certa forma. Todos os que trabalham com jornalismo, ao se deparar com esse livro, não vão parar de ler, tenho certeza”, antecipa.

A diretora-presidente da EPC constatou um fato curioso quando recorreu a parte de suas memórias, com o intuito de desenvolver o texto de apresentação do livro que lança amanhã: após a experiência em A União, eles nunca mais conviveram profissionalmente. A partilha pessoal, todavia, rendeu muitos frutos: dois filhos e o casamento.

“Cada um de nós seguiu uma rota e às vezes nos encontrávamos nos mesmos eventos. Mas ao voltar para casa, nós continuávamos a falar de jornalismo. Ele gostava de desenhar as capas do jornal e sempre que eu fazia um, na instituição para a qual trabalhava, eu mostrava para ele. Me considero, até hoje, uma eterna aprendiz”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de fevereiro de 2025.

source
Fonte

A União

Adicionar aos favoritos o Link permanente.