Bactérias amazônicas podem ser usadas como antibióticos e antitumorais, diz pesquisa do CNPEM


Microrganismos encontrados em solo de floresta podem servir de base para novos remédios, além contribuir para a indústria alimentícia e agricultura. Bactérias amazônicas podem ser usadas como antibióticos e antitumorais
Pesquisadores do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) em parceria com a UFPA (Universidade Federal do Pará) identificaram bactérias no solo amazônico com potencial para atuar como novos remédios antibióticos e antitumorais, além de insumos para a indústria alimentícia e agricultura.
A pesquisa realizada ao longo dos últimos cinco anos nem precisou adentrar muito profundamente na floresta Amazônica para descobrir novos microrganismos. Toda a coleta foi feita em um parque urbano de Belém (PA), uma unidade de conservação estadual que possui um “solo riquíssimo”
Para entender os avanços científicos proporcionados pela descoberta, o g1 conversou com Maria Augusta Arruda, diretora do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) do CNPEM, e a coordenadora da pesquisa, Daniela Trivella.
“Quando a gente fala de biodiversidade, a gente sempre pensa em planta, animais, coisas macro, que a gente consegue ver. Só dessas a gente não conhece tudo ainda. Mas quando vamos para os microrganismos, que é o que a gente não vê, e eu chamo de biodiversidade invisível, a gente tem um mundo totalmente desconhecido” , fala Trivella.
📲 Participe do canal do g1 Campinas no WhatsApp
Pesquisa do CNPEM sobre bactérias amazônicas une novos remédios a preservação ambiental.
Divulgação/CNPEM
Da floresta ao laboratório
Trivella explica que o primeiro passo da pesquisa foi entrar na floresta e fazer a coleta do solo para descobrir quais microrganismos vivem no local. No caso da Amazônia, isso é feito em uma camada relativamente fina de matéria orgânica, conhecida como serapilheira.
🔍 É chamada de serrapilheira a camada de folhas secas, galhos, restos de frutas, flores e animais mortos na superfície que nutre o solo.
Ela contou que o foco da pesquisa estava em principalmente dois grupos de bactérias que produzem moléculas “interessantes”: os Actinomycetota e os Bacilos. “Vários casos de antibióticos são derivados desses grupos de microrganismos”.
Depois de coletados, os microorganismos são identificados e isolados para estudo no laboratório e, para a surpresa dos pesquisadores, foi encontrada uma porcentagem muito mais alta de genes desconhecidos nos espécimes. Variedade e raridade que possibilitaram à equipe descobrir novas espécies.
“Reforça esse conceito de que a nossa biodiversidade enorme e a nossa micro biodiversidade é maior ainda, em especial da Amazônia”, conta Trivella.
Em seguida eles são cultivados e passam por um processo de extração dos metabolismos e purificação de cada molécula (que podem ser centenas). Só então é possível fazer os primeiros experimentos. Esses processos podem durar anos.
CNPEM une descoberta remédios e preservação ambiental.
Divulgação/CNPEM
Do laboratório aos medicamentos
Os princípios ativos dos medicamentos, na maioria, são substâncias químicas pequenas, que de forma simplificada podem ser chamadas de moléculas. São elas que dão a ação biológica que vai tratar a doença.
“Quase 70% de todos os medicamentos já desenvolvidos pela humanidade e hoje disponíveis para uso clínico têm origem em moléculas naturais, nessas substâncias químicas produzidas por organismos vivos. Principalmente plantas e microrganismos, bactérias e fungos”, explica Trivella.
Ao longo da segunda metade do século 20, a produção focou no estudo de moléculas sintéticas, “mas não rendeu muito”, segundo a coordenadora da pesquisa. Esse paradigma se alterou nos últimos 20 anos com os avanços nas técnicas de estudo dos metabolismos e a inteligência artificial.
Em seguida são realizadas validações que melhoram as moléculas para o ser humano poder usá-las e o teste final é feito em um modelo animal, momento em que é construída uma molécula protótipo.
“O processo de descoberta de fármacos é longo e até chegar no paciente, demora uns 15 a 20 anos”, completa.
Alimentos funcionais, agricultura, indústria
A pesquisadora explica que o mesmo banco de moléculas é usado para essas áreas de curto prazo, como a alimentícia. O alimento funcional “tem muita intercessão com o que a gente faz e é nosso bem-estar, a nossa alimentação e prevenir as doenças […] na nossa visão de sustentabilidade, de saúde biológica e mental, clínica”.
O CNPEM tem outros laboratórios que trabalham em atividades econômicas derivadas do mesmo conhecimento. As mesmas enzimas, por exemplo, são usadas na indústria para produção de etanol de segunda geração ou de bioinsumos para aumentar a produtividade das plantas.
Pesquisa e sustentabilidade
“A gente realmente achou estruturas totalmente novas que nenhum cientista, nenhum químico, nenhum biólogo estrutural teria esse ‘insight’ se o produto natural da biodiversidade brasileira não estivesse mostrado, o caminho”, conta Trivella.
A pesquisadora reforça a raridade das descobertas, pois as melhores estimativas indicam que menos de 10% dos microrganismos são cultiváveis em laboratório e menos ainda podem ter as “moléculas de interesse” isoladas para produzir os metabólitos.
Algo que só foi possível porque essas coletas foram feitas numa área de preservação. Ela reforça que alguém manteve a floresta de pé, ligando o projeto a outro elemento importante da sustentabilidade que é o respeito às populações locais e à sustentabilidade econômica dessas populações.
“Então a gente imagina todo dia quantas espécies, quantas rotas biossintéticas a gente perde por conta da degradação dos biomas. Se não houvesse essa preservação, a gente não teria acesso a essas informações […] alguém manteve aquela floresta, e geralmente são as populações ribeirinhas, aqueles que nunca são vistos pelos cientistas e pela sociedade”.
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP).
CNPEM/Sirius/Divulgação
Parceria entre CNPEM e a UFPA
A colaboração entre CNPEM e a UFPA começou de forma pontual durante a pandemia para desenvolver um sistema de diagnóstico para Covid. Com o sucesso, e junto à Biotech Amazônia, passaram a focar a pesquisa na micro biodiversidade e biotecnologia.
“Essa capacidade tecnológica que a gente tem aqui no CNPEM, que foi desenvolvida pela Daniele e o time dela, é realmente uma quebra de paradigma na identificação das biomoléculas, e na descoberta do possível valor para novos fármacos”, diz Maria Augusta Arruda.
O grupo tem por objetivo inventariar a biodiversidade brasileira e com um banco genômico realizar experimentos em organismos criados em laboratório, por uma rota chamada biotecnológica que é, segundo a professora, “super sustentável”.
“Esse é o nosso pré-sal, é um pré-sal sustentável, é um conhecimento que fica armazenado em sílico. Que você não tem que sair desmatando ou fazendo monoculturas”, afirma Arruda.
🔍O termo in silico é uma expressão que se refere a testes e experimentos biológicos que são realizados a partir de “simulação computacional”.
“Então a gente usa a informação da natureza e produz em rota verde, em laboratório […] você não está extraindo, você não é extrativista ou fazendo monocultura. Você está usando tecnologias novas para viabilizar essas produções com controle e sustentabilidade […] e se você não tiver esse acesso, você nunca vai gerar produtos de valor em qualquer área”, conclui a diretora do LNBio.
VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região
Veja mais notícias da região no g1 Campinas
Adicionar aos favoritos o Link permanente.