André Bonomini: A Thapyoka não mora mais aqui

A praça está silenciosa demais…

Estes correres de passos agoniados em busca da refeição do meio do dia não mais dobram caminhos em direção ao grande prédio daquele páteo tão nobre do nascedouro blumenauense. Turistas ávidos, alguns distraídos, andarilhos, apenas estes cruzam o local talvez aproveitando-se do breve sossego que a copa de árvores frondosas dá de presente aos transeuntes.

A distância, o grande prédio de portas cerradas responde por, pelo menos, 90% deste silêncio todo. Ali não entram mais turistas, cidadãos engravatados, parlamentares, famílias, casais, gente de toda forma atrás do sagrado almoço. Não se ouvem mais canções germânicas nem se celebra o encontrar de amigos ou dos garçons em aventais negros com a velha simpatia que lhes é característica.

Pode um lugar tão recente em nossa memória ser marcante ao ponto de merecer linhas como estas? Talvez o leitor ache que “historificar” a Thapyoka é um exagero, desnecessário, sem significado nenhum e uma forma simples e tacanha de polemizar os temas referentes a concessão do espaço a iniciativa nascida em meio a história do Médio Vale.

Mas analise com calma, mesmo que você que sacuda os ombros para argumentos, trocando-os por falácias como fazem muitos nos WhatsApp da vida: a história é feita de elementos antigos e recentes, sobretudo aqueles marcantes e quase parte de um cotidiano, inclusive aqueles que passam do tempo presente para os livros e registros passados. Ignorar a passagem da Thapyoka no sempre sorridente Biergarten é impossível e, com os anos passando, fará ainda mais sentido este argumento.

A velha Praça Hercílio Luz é um marco de relevância histórica ímpar para a cidade. Lá, repousa o monumento aos imigrantes sempre decorado a cada 25 de julho, relembrando os primeiros que por lá pisaram antes mesmo daquele páteo ser o que é hoje. Martin Luther está lembrado lá, a obra de Miguel Barba enaltecendo os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai também está lá, a história de uma pequena Blumenau ainda repousa naquela sombra arbórea.

Os contornos da velha Praça Hercílio Luz, em tempos mais antigos (Antigamente em Blumenau / Blumenau Antiga)
O Biergarten: quando a Praça foi tomada por cadeiras, culinária e autênticos momentos de kerb no centro histórico blumenauense, entre os anos 1980 a 1990 (Antigamente em Blumenau)

Em outros tempos, o espaço era tomado por mesas e cadeiras, pelo som intenso das bandinhas e um colorido popular – entre turistas e blumenauenses – desfrutando da sombra, da gastronomia e do chopp que saía do antigo Restaurante Biergarten, cujo nome até hoje circula na boca dos antigos ao referir-se a praça (atualmente ocupado pelo Museu da Cerveja) e que sela o destino gastronômico que sempre o foi.

Este grande prédio que me refiro aqui nasceu bem depois. De choperia a endereço certo de festas noturnas passou por um ostracismo pesado e duro até abril de 2015, quando abriu as portas para ditos “forasteiros” que vinham do Médio Vale trazendo na mala aquilo que os tornava referencia e casava com a proposta de tempos em tempos da velha praça: gastronomia.

A Thapyoka herdou o nome da velha usina de fécula que, depois de anos processando mandioca, via as velhas e empoeiradas máquinas de moenda serem trocadas por luzes brilhantes, musicas e corpos em dança. Na diminuta Timbó de 1988, quando o Eurodisco e o dance tomavam conta das pistas, foi a casa noturna nascida lá responsável por colocar a Pérola do Vale entre as cidades preferidas dos baladeiros noturnos e suas aventuras de fim de semana.

A primeira Thapyoka: uma badalada casa noturna as margens do Rio dos Cedros, em Timbó (Reprodução)

Com o advento do complexo do imigrante, em 2000, a referencia da casa noturna passa a rotular um dos espaços gastronômicos mais procurados e indicados da cidade, sobretudo aos visitantes que encontravam por ali uma prova muito forte da cozinha alemã: do marreco com repolho roxo, spatzle, salsichas tradicionais e, claro, o bom chopp produzido na cidade e região.

Foi lá em Timbó que conheci a Thapyoka, o atendimento e a comida servida por lá. Não era sempre que almoçava por lá, mas já era de lá o costume de ser um ponto preferido para almoços e reuniões de dia ou a noite, sempre muito alegres e divertidas. Falar em Thapyoka era falar de Timbó e vice-versa, e por isso me soou como uma surpresa ao ouvir, em 2020, do fechamento da unidade e da vinda oficial para Blumenau, onde já estava cinco anos antes.

O olhar visionário de Dimas Felippi, que já conhecia de longe desde que ele fora um dos entrevistados de Carlos Henrique lá por Timbó, já era característico e ele não podia acertar melhor: ponto histórico, localização estratégica mesmo com os pragmatismos provincianos que uivavam duvidando do êxito da operação naquele canto.

Em 2000, o nome referencia da casa noturna virou rótulo de grande restaurante em Timbó, ocupando o complexo do imigrante. Em 2015, Blumenau teria o mesmo gosto gastronômico que seria referencia naquele espaço da Pérola por anos até o repentino fechamento, em 2020 (Reprodução / Garçom Guru)

A Thapyoka timboense virou blumenauense, e o passar do tempo a fez virar um ponto de referencia, não só do almoço mas das reuniões mais necessárias de tantos. O meu reencontro com o lugar, já militando pela União FM, incluía muito mais do que o prazer gastronômico mas também um ambiente que tornava-se familiar pra tantos, de rostos já conhecidos do cotidiano ou pessoas novas imersas naquele pequeno universo alemão.

E ai, aquele pensamento que contara no começo destas linhas começa a fazer sentido: de fato, não se conta só tempo, mas a forma como ele faz parte do cotidiano para tantos. Quem já conhecia o lugar não escapava de dar um “bom dia” no caixa, um abraço na Fátima após se servir e ser recebido pelo Galego ao pedir o que beber, sem contar os encontros com amigos de vários setores no mesmo lugar e imersos numa descontração rara diante do cotidiano pesado.

Ali entre aquelas mesas, no interno ou externo, famílias se juntavam numa pausa pós-escola dos filhos ou no lazer, casais (e quantos foram) se declaravam entre olhares apaixonados, equipes saiam completas do trabalho discutindo ainda frescas as demandas e fatos do ambiente profissional, empresários fechavam negócios com sorrisos abertos e a classe política tomava decisões entre uma garfada e outra. A pausa de uma rotina de vida toda concentrada no mesmo lugar e ao mesmo tempo e com o mesmo clima.

Em dado momento, Galego parava tudo do nada quando, perto da mesa de algum aniversariante, soltava com violência a bandeja no chão e puxava todos a volta para um caloroso “parabéns a você” que contagiava grande parte dos que lá estavam. Sair de lá rindo e mais leve mentalmente era o que havia, pelos encontros e momentos, dia a dia, alguns sabendo que a Thapyoka seria, no dia seguinte, o paradeiro do almoço.

De choperia a antiga casa noturna blumenauense, o prédio receberia a Thapyoka em 2015, convertendo-se num agitado ponto de encontro, seja no correr do dia ou no lazer noturno (André Bonomini)

E a impressão que se tinha, talvez inocente e esquecendo as burocracias dos homens “de cima” era de que este ponto de inflexão de um dia pesado jamais teria fim no correr dos calendários. Mas não somos nós que gerimos restaurantes e concessões, não somos nós que arrematamos histórias embora fazendo parte delas, e um dia destes de alvorecer o ano, a Thapyoka fechou as portas.

Despedida doída para alguns ou até permeada com a certa indiferença fria e cruel como quem busca apenas outro lugar para almoçar. No entanto, lendo pela história e por tanto que aconteceu nos arredores da velha Praça Hercílio Luz, a Thapyoka deixou por ali uma marca só sua no lugar e na mente daqueles que, ao menos, valorizavam momentos como estes, tão rápidos e pequenos, mas tão necessários.

Esqueçam, por momento, as tabelas de preços ou contratempos, e me desculpem o excesso de sensibilidade. Mas ainda é possível ser grato a uma porção de pessoas que fizeram a história deles próprios e da própria casa naquele pedaço de terra tão nobre desta menina Blumenau.

Ainda é possível ser sensível a estes movimentos e perceber que fases passam, ficam no passado, como a história escrita que continuará com outro nome naquele casario que ainda carregará as passagens de quem viveu o dia ou a noite na Thapyoka.

É… a praça está silenciosa demais. As coisas passam, a história fica, e a Thapyoka não mora mais aqui.

(André Bonomini)

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