Cremepe investiga conduta de médicos em atendimento a criança que morreu após ser internada para tratar amidalite


Bruna Brito de Araújo, de 4 anos, morreu quatro dias após ser avaliada pela primeira vez. Família denunciou oito médicos das áreas de pediatria, anestesiologia e otorrinolaringologia. Laudo do IML aponta complicação por hemorragia pulmonar. Vice-presidente do Cremepe explica como acontece investigação de conduta profissional
O Conselho Regional de Medicina em Pernambuco (Cremepe) está investigando a conduta dos médicos que participaram do atendimento a Bruna Brito Barbosa de Araújo, de 4 anos, que morreu em dezembro, quatro dias após receber o primeiro atendimento médico para tratar uma amidalite (veja vídeo acima).
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O caso aconteceu numa das unidades da Unimed Recife. Segundo a mãe de Bruna, Gabriella de Brito Silva, a família denunciou oito médicos ao Cremepe, entre eles profissionais da área de pediatria, anestesiologia e otorrinolaringologia.
Em entrevista ao g1, a vice-presidente do Cremepe, Claudia Beatriz de Andrade, explicou que a investigação ocorre em sigilo para não interferir na apuração dos fatos. Inicialmente, foi instaurada uma sindicância para apurar, preliminarmente, se há indícios de infração profissional.
A sindicância tem prazo inicial de 90 dias e fica sob responsabilidade de um médico conselheiro do Cremepe designado para a apuração. O período pode ser prorrogado, caso o sindicante considere necessário. De acordo com Claudia Beatriz de Andrade, o prazo total entre o início e o fim da investigação pode chegar a cinco anos, mas a maior parte das apurações recentes têm chegado ao fim ainda no ano corrente.
“Não se pode atropelar os ritos nem, em prol de chegar a um determinado resultado, pular etapas ou deixar de ouvir ou juntar determinadas provas”, afirmou a vice-presidente do Cremepe.
Bruna Brito Barbosa de Araújo morreu após procurar atendimento para amigdalite
Acervo pessoal
Etapas da investigação
Segundo a médica Claudia Beatriz de Andrade, a sindicância é apenas a primeira etapa da investigação. Após esse primeiro momento, o material reunido pelo sindicante é levado a um colegiado formado por outros conselheiros do Cremepe.
Confira as etapas de uma apuração do Conselho Regional de Medicina:
A denúncia é protocolada no Cremepe;
O órgão define um conselheiro sindicante para apurar a conduta denunciada;
O sindicante realiza as diligências iniciais dentro de um prazo de 90 dias, que pode ser prorrogado;
O material é avaliado por uma câmara de sindicância formada por 11 conselheiros, que apuram a possibilidade de uma infração ao código de ética;
Quando o colegiado aponta que há indícios de infração, um conselheiro é definido para conduzir a instauração de um processo ético;
Partes e testemunhas são ouvidas para a produção de um relatório final. Novos documentos podem ser adicionados, a critério do conselheiro responsável ;
O material completo da investigação é julgado em uma sessão plenária. Caso seja comprovada a existência de infração, o conselho define a pena do profissional, que vai de uma notificação privada até a cassação do registro profissional.
Segundo a vice-presidente do Cremepe, apesar do procedimento ser potencialmente longo, todas as etapas da investigação precisam ser cumpridas de forma rigorosa, para garantir o direito de defesa de todos os profissionais, e a precisão das informações coletadas.
“Tudo tem que ter uma fundamentação científica, uma sustentação dentro de bases de evidências médicas e científicas, do que tem sido registrado na ciência. Essa investigação é uma montagem de um quebra-cabeça, onde se pega todos os elementos que envolvem a questão que foi citada”, explicou.
Como a apuração sobre as circunstâncias do atendimento de Bruna Brito são sigilosas, a representante do Cremepe não informou se algum médico denunciado já foi ouvido. Apesar disso, Claudia Beatriz de Andrade disse que outros profissionais, incluindo os que não foram citados, podem ser procurados pelo órgão para depor.
“Todas as demandas que chegam a esta casa são avaliadas com base no que é apresentado na denúncia. […] Muitas vezes [a gente pede] a apresentação de outras pessoas e testemunhas. Então, com certeza, em fase de sindicância ou em fase de processo, todas as pessoas que foram citadas serão avaliadas. Pode-se, inclusive, ir além das que já foram citadas. Cabe ao conselheiro sindicante”, disse.
Vice-presidente do Cremepe, Claudia Beatriz de Andrade
TV Globo/Reprodução
Investigação policial
A família de Bruna Brito também denunciou o caso à Polícia Civil. Os pais da menina acreditam que ela foi derrubada da maca pela equipe médica enquanto estava sendo transferida do setor vermelho da Unimed Recife para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica.
Em entrevista ao g1, a mãe de Bruna, Gabriella de Brito, contou que ela e o marido ouviram um barulho de queda, seguido de um som de gás vazando. Ainda de acordo com ela, a família ouviu uma enfermeira gritando assustada.
Os pais reuniram todos os prontuários com o registro de cada atendimento que a menina recebeu. No último, a ocorrência da enfermagem fala que tinham sido visualizados hematomas na região lombar e glútea do corpo de Bruna.
A família teve acesso ao laudo do Instituto Médico Legal (IML) que atesta a morte de Bruna e estranhou a ausência de qualquer menção aos hematomas apontados no relatório médico. “Quando sai o laudo do IML, eles não falam nada sobre isso”, disse Josinaldo Júnior, pai de Bruna.
Laudo do IML aponta que Bruna morreu por insuficiência respiratória aguda complicada por hemorragia pulmonar
TV Globo/Reprodução
Segundo o documento, a menina morreu por insuficiência respiratória aguda, causada por infecção respiratória, que teve como complicação uma hemorragia pulmonar.
Procurada, a Polícia Civil e a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco informaram que a investigação está sob coordenação da Delegacia de Polícia de Crimes contra Criança e Adolescente. Disseram ainda que o IML realizou perícia tanatoscópica na vítima para identificar a causa da morte e encaminhou o laudo para a autoridade policial responsável pelas investigações.
Entenda o caso
Bruna Brito Barbosa de Araújo, de 4 anos, morreu ao dar entrada na UTI pediátrica da Unimed Recife;
A família da criança disse ao g1 buscou atendimento pela primeira vez no dia 9 de dezembro de 2024 para tratar uma amidalite;
A médica que atendeu a criança prescreveu o antibiótico benzilpenicilina benzatina, ignorando recomendações da mãe, Gabriella de Brito, que alega ter informado que a menina tinha adquirido resistência ao antibiótico;
No 11 de dezembro, sem perceber melhora no quadro de saúde de Bruna, Gabriella disse que voltou a procurar o setor de pediatria do hospital da Unimed;
No dia seguinte, 12 de dezembro, a menina foi encaminhada para a urgência otorrinolaringológica. Segundo Gabriella, a filha já não comia, nem bebia água, e estava bastante debilitada;
Ainda de acordo com a mãe, o otorrinolaringologista pediu uma tomografia com contraste e sedação para avaliar o pescoço da criança;
Após a sedação, Gabiella afirma que Bruna Brito começou a passar por laringoespasmos — contração involuntária e repentina das pregas vocais, que pode bloquear o fluxo de ar para os pulmões — e precisou receber ventilação mecânica;
A anestesista teria informado à família que, devido à baixa saturação de oxigênio, seria preciso intubar a paciente;
A mãe da menina disse que a médica responsável pelo atendimento informou que Bruna seria transferida para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica sedada, mas depois mudou de ideia, retirou a ventilação mecânica e transferiu a criança à UTI para ser novamente intubada;
Ao chegar ao local, Bruna teria sido acomodada na área vermelha por falta de leito de UTI;
Segundo a mãe, Bruna foi intubada novamente e, no momento em que seria transferida para a UTI, os pais ouviram um barulho alto, seguido de um som de gás vazando;
A família acredita que a criança foi derrubada no chão enquanto era trocada de maca;
Em seguida, médicos comunicaram aos pais da criança que Bruna havia se extubado sozinha e que foram necessárias manobras.
Em seguida, os médicos informaram sobre a morte da menina.
A Unimed Recife afirma que “todos os procedimentos realizados durante o atendimento à paciente foram pautados nas melhores práticas de medicina baseadas em evidências”;
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.
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