Um belo e sensível filme que ficou no papel

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O filme estava em pré-produção, com a equipe pesquisando quais locações poderiam ser usadas na capital francesa e o cenário da livraria do protagonista em plena construção. O roteiro já estava sendo revisitado para os seus primeiros tratamentos e o elenco já estava definido, com Gérard Depardieu e Nastassja Kinski nos papéis principais, além do saudoso Massimo Troisi (1953–1994) “ressuscitado”, cujos trejeitos serviam de referência para um dos coadjuvantes.

Com o título provisório de Um Dragão em Forma de Nuvem, esse seria o próximo filme ítalo-francês do renomado diretor Ettore Scola (1931–2016), mas, infelizmente, ficou no papel. Tudo por conta de uma declaração infeliz do empresário Silvio Berlusconi (sim, aquele), dono da produtora do filme. De mãos atadas por questões contratuais, o realizador teve que “aposentar-se” a contragosto, em 2003.

Ao mesmo tempo que fomos privados de mais um longa-metragem do realizador italiano de O Baile e A Viagem do Capitão Tornado, felizmente a obra ficou no papel.

Assim como o escritor e cineasta chileno Alejandro Jodorowsky, Scola tirou o roteiro que acumulava poeira na sua gaveta e entregou ao quadrinista Ivo Milazzo (um dos “pais” de Ken Parker, uma das melhores HQs de faroeste). “Ivo, aqui não acontece nada de aventura”.

O resultado dessa união de dois grandes nomes — um da Sétima e outro da Nona Arte — está nas páginas aquareladas de Um Dragão em Forma de Nuvem (Editora Figura, 108 páginas), uma bela e sensível história sobre Pierre, um livreiro francês de meia-idade, viúvo, que dedica a sua vida aos seus livros e à filha Albertine, vítima de um acidente na infância que a deixou paraplégica.

O interessante na obra é o seu fio narrativo, conduzido pela própria Albertine. Mesmo sem conseguir externar suas opiniões e sentimentos para as pessoas que a cercam, ela divide isso com o leitor, o que “desnuda” completamente os seus pensamentos, sejam eles os mais profundos ou os mais mesquinhos, por exemplo.

Entre o vaivém tímido dos clientes, uma jovem aparece na rotina de Pierre, totalmente por acaso, o que desperta nele sentimentos que eram tão adormecidos quanto as “dores fantasmas” de um amputado.

Como bem define a filha do cineasta, Silvia Scola, Um Dragão em Forma de Nuvem é “uma história particular, de amor e sacrifício, de generosidade e egoísmo”.

Tudo isso no traço “solto” e nas belíssimas aquarelas de Ivo Milazzo, um dos melhores diretores de fotografia que Ettore Scola já teve, mesmo que essa grande obra não figure na sua filmografia.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de novembro de 2024.

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A União

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