Suça: conheça música e dança que celebram cultura afrobrasileira e levantam temas como racismo e intolerância religiosa


A suça está presente nas comunidades tradicionais e quilombolas do Tocantins, principalmente na região sul do estado. Grupos levam a cultura afrobrasileira para escolas, onde promovem trabalho de valorização e educação patrimonial com jovens. Grupos de suça no Tocantins celebram cultura afrobrasileira
Montagem/Flávio Cavalera/Secult/Roberta Tavares
Cantos, batuques, danças e saias longas são características marcantes da Suça, uma manifestação artística que conta e celebra a herança cultural de descendentes africanos. No Tocantins, a suça costuma estar presente em eventos católicos e principalmente nas comunidades quilombolas. A arte é considerada um símbolo do combate ao racismo e intolerância religiosa.
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A suça chegou no Tocantins por volta do século XVIII, por meio de descendentes africanos escravizados que foram trazidos para trabalhar em minas de ouro, na região sul do estado. Essa manifestação artística é encontrada em cidades como Natividade, Chapada de Natividade, Dianópolis, Paranã, Santa Rosa do Tocantins, Almas, Arraias e Monte do Carmo.
Sua atuação no combate ao preconceito está relacionada as reflexões que as letras das músicas provocam, além de um contexto histórico sobre o Brasil e a escravidão. O g1 conversou com a historiadora, mestra e pesquisadora em dança da suça, Roberta Tavares, que explicou como a arte se relaciona com o combate ao racismo.
“A dança da suça no Tocantins pode ser considerada um símbolo de luta e de combate ao racismo, porque celebra e valoriza a cultura afrobrasileira. Ela fortalece a identidade das comunidades negras e quilombolas. As letras das músicas carregam mensagens de resistência. Elas carregam a ancestralidade da história negra e também mostram o orgulho das raízes e das tradições nas comunidades. Através das apresentações, a suça cria espaços de visibilidade e reconhecimento”, explicou.
Roberta Tavares e filho durante apresentação de suça
Divulgação/Roberta Tavares/Arquivo Pessoal
Por muitas vezes a suça é associada à macumba de forma pejorativa, segundo a historiadora, revelando não apenas o racismo como também a intolerância às religiões de matrizes africanas.
“Apesar de fazer parte do catolicismo popular, ela sofre também preconceitos. Várias vezes a gente ouve a associação utilizando o termo macumba de forma pejorativa, e isso reflete os preconceitos históricos que desvalorizam práticas de matriz africana e perpetuam esses estigmas. A suça promove inclusão e oferece uma resposta cultural contra o preconceito, contra a marginalização, contra a intolerância religiosa”, disse.
Susseiros dançando em roda na cidade de Natividade
Divulgação/Emerson Silva
Você sabia? A escrita da palavra suça é variada e pode ser feita de diferentes formas como sussa, súcia, suscia ou sussia.
Versos que falam do cotidiano
Os tambores, a viola e os pandeiros dão vida à dança da suça, marcando o ritmo com as batidas e melodias intensas. Nas rodas, os refrãos são repetidos várias vezes enquanto os susseiros dançam, e os músicos cantam histórias sobre o cotidiano.
“Os versos de suça tem toda uma história do cotidiano dos escravizados até os nossos dias. Falam da comunidade, da colheita, do clima, dos costumes. Na suça os instrumentos utilizados são confeccionados manualmente pelos artesãos das comunidades. Podemos ver nas comunidades, os coletivos de suça, que só utilizam tambores porque tem a dificuldade de encontrar pessoas da comunidade para ensinar os mais jovens a tocar viola e pandeiro”, contou Roberta.
Conheça um pouco sobre a suça, dança tradicional de Natividade
Veja algumas das letras cantadas por grupos de suça abaixo:
“A formiga que dói é jiquitaia. Ela morde, ela coça, ela esconde na palha. Ela morde no pé e debaixo da saia. A formiga que dói é jiquitaia”;
“Eu pisei na ponte, a ponte tremeu, a água tem veneno morena, quem bebeu morreu”;
“O batuque na cozinha a sinhá não quer, fui teimar, queimei meu pé” (o verso está presente na música ‘Batuque na Cozinha’, que é uma composição de João da Baiana, e já foi gravada por Martinho da Vila e Pixinguinha).
A jiquitaia presente na música também está presente na dança. Em algumas comunidades ela é conhecida como um passo que faz parte do batuque da suça. O nome faz referência a formiga que tem uma picada ardida e causa sensação de queimação.
Grupo de Suça Tia Benvinda, em Natividade
Flávio Cavalera/Governo do Tocantins
A professora Roberta explica que essas formigas eram encontradas em locais onde os escravizados viviam e que a dança tem como base os movimentos feitos para tentar tirar a jiquitaia do corpo.
“É um passo bem frenético, é um passo que o susseiro e a susseira vão estar tirando do corpo, do cabelo e da roupa, a jiquitaia. E a jiquitaia é uma formiga vermelha que dói muito a picada dela. As histórias contam que os escravizados eram atacados quando se deitavam no chão para o descanso da labuta da escravidão. Eles começaram a tirar do corpo, a bater os pés, então é assim a história contada nos versos da músicas da jiquitaia”, explicou.
Susseiros aos passos da Jiquitaia, na comunidade quilombola em Dianópolis, no Tocantins
Divulgação/Secult
O vestuário fica por conta das longas saias que na maioria das vezes são estampadas. Em Natividades, as saias encontradas costumam ser brancas. Nos festejos religiosos a saia é opcional, já que todas as pessoas podem dançar a suça de calça, se quiser.
Cultura passada em gerações
O susseiro Marcos Albuquerque Menezes de 15 anos participa do grupo ‘Suça das Dianas’. O conhecimento sobre a manifestação cultural que ele tem foi passado pela família. Sua tia, Verônica de Albuquerque, coordena o grupo o Grupo de Suça Tia Benvinda e sua mãe, Roberta Tavares, além de pesquisar o tema, também criou um grupo em Dianópolis.
“Desde que me entendo por gente conheço a suça. Eu costumava ver os mais velhos dançarem na cidade onde morei [Chapada de Natividade]. Mais tarde, por volta de 2016 a 2017, comecei a ver a formação de grupos de suças com jovens, inclusive entrei no grupo coordenado por minha tia, Verônica T. de Albuquerque, em Natividade, no ano de 2017, o Grupo de Suça Tia Benvinda”, contou.
Marcos Albuquerque Menezes é tocador no grupo Suça das Dianas
Divulgação/Roberta Tavares/Arquivo Pessoal
Para Marcos a suça “representa um traço da cultura africana que está presente entre os brasileiros”. E por saber disso, ele atua no Suça das Dianas repassando os saberes que aprendeu desde pequeno aos jovens que entram para o grupo.
“Como eu fiz parte do grupo de suça mais veterano em Natividade, acabei por dominar parte da suça, então eu mostro o ritmo do toque do tambor; as letras das diversas músicas e como os garotos devem dançar. É bem legal a sensação de você estar ensinando alguém. Acho muito gratificante”, explicou.
Suça das Dianas
No Tocantins há vários grupos, sendo um deles a Suça das Dianas, criado pela professora Roberta. A pesquisadora se mudou de Pernambuco para o Tocantins, onde passou a morar em Chapada de Natividade, no ano de 2001. Lá ela atuou na área da educação e conheceu a dança.
Em 2015 ela criou um grupo em uma escola, que deu continuidade quando se mudou para Dianópolis, em 2019. O nome Suça das Dianas faz referência a cidade que também é conhecida como ‘Terra das Dianas’. Foi colocado para identificar que é de Dianópolis.
Susseiras do grupo ‘Suça das Dianas’ ensaiam em praça na cidade de Dianópolis
Divulgação/Roberta Tavares/Arquivo Pessoal
Em Natividade é possível encontrar o grupo de Suça Tia Bem-vinda e o grupo Manana. Já em Chapada de Natividade os grupos Mestre Patricinho e Dona Maria.
Segundo a pesquisadora, muitos grupos fazem apresentações em órgãos públicos e escolas. Dessa forma é possível disseminar o conhecimento sobre a cultura da suça, além de promover um trabalho de valorização e educação patrimonial com crianças e adolescentes.
“Vejo o cenário da suça no Tocantins como uma mistura de desafios e resistência. Apesar da dança ser uma expressão cultural que está enraizada na história das comunidades tradicionais e quilombolas ela ainda enfrenta preconceitos. Temos grupos que estão se esforçando para manter viva essa prática. É um longo caminho a percorrer para que ela seja plenamente compreendida, como parte integral da identidade cultural tocantinense e como uma manifestação negra que deve ser fortalecida afastando os estigmas raciais”, explicou Roberta.
Apresentação do grupo Suça das Dianas
Divulgação/Roberta Tavares/Arquivo Pessoal
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Grupos de suça no Tocantins celebram cultura afrobrasileira
Montagem/Flávio Cavalera/Secult/Roberta Tavares
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