Vaidade toda vaidade

Uma nova forma de cultura está presente nas redes digitais, fazendo com que toda história da produção artística tenha praticamente o mesmo significado. Nenhum. 

Essa ideia de comunicação, que sofre um transe em si própria, é apresentada apenas instrumentalmente. 

É consequência da atividade de massa, e parece uma serpente que consome sua própria cauda. 

Um dos exemplos é o que a plataforma Spotify oferece a seus assinantes, através de uma patente que adquiriu em 2021, que se utiliza de um processo com análise das emoções do usuário para recomendar o que ouvir a seguir. 

Através de dados coletados, que incluem estado emocional, lugar onde se encontra e seu contexto social, a plataforma sugere músicas que combinem com o momento reflexivo da criatura, passando a se preocupar com a experiência imediata, e não mais suas preferências musicais. 

É como um antidepressivo para cada neurose, que a pessoa desenvolve nos diferentes turnos de seu árido dia. 

Assim como nos games, em canais de áudio do Discord, nos fóruns da Internet e no Tik Tok, a cultura se transformou em pastiche, e o cânone não é mais central, mas irrelevante. 

O que importa agora é a manipulação em si, é ter uma experiência, e não absorver conteúdo intelectual. É uma inserção digital ao seu sentimento plástico, cuja proposta se move para vivência no Metaverso, que significa “além do universo”. 

Estamos falando de um ambiente digital que é uma evolução de tudo o que estávamos acostumados. Esse pode ser chamado de universo digital compartilhado, com experiências variadas, totalmente imersivas, interativas, porém muito realistas.

Essa intensa busca pelo espaço digital, remete alguns dos sintomas negativos da esquizofrenia, como o retraimento social, o afeto embolado e a falta de concentração e de expressão, que pode nos levar a desinstitucionalização. 

Como aconteceu com o personagem Dennis Cleg no livro “Spider” de Patrick McGrath, que fez o leitor mergulhar no mundo psicológico do personagem, sem que esse pudesse diferenciar o que é verdadeiro e o que é falsamente construído por Spider.

Se nossa viagem humana for um mergulho digitalizado, me parece estarmos rumo a um estado de arte simbólica. Como uma Vanitas, que mostra a transitoriedade da vida, e a futilidade do prazer, mas que inclui a certeza da morte, contrastando símbolos de riqueza e de efemeridade.

As mais conhecidas são as naturezas mortas, um gênero que foi comum na arte holandesa dos séculos XVI e XVII. Vanitas significa “futilidade” ou ” inutilidade”, isto é, a inutilidade dos bens e atividades terrenas, Vanitas vanitatum omnia vanitas, traduzida como “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” na Bíblia do rei James.

Se alcançarmos o ápice da futilidade digital, logo surgimos na tela das vanitas, apenas como uma pincelada, que passou pela vida como um risco.

Alguém pode contemplar um dia, mas se você deseja que a parada do visitante seja mais longa, lembre-se em intensificar sua vida analógica desde já, assim seus quadros ficarão mais interessantes.

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